O Mirim foi uma das grandes revistas editadas por Adolfo Aizen, o homem que trouxe pela primeira vez ao Brasil as histórias em quadrinhos de aventuras e heróis. Antes dele, HQ por aqui era muito restrita, voltada exclusivamente para a criançada, que tinha como opção apenas o Tico-Tico, publicado desde 1905 com histórias infantis (quadrinhos legendados, sem balões) e passatempos. Até que Aizen, ex-colaborador da Editora O Malho (de O Tico Tico) e O Globo, viajou para Nova York em 1934, como jornalista free-lancer, e toda a história da nossa HQ mudou para sempre. Lá nos States, ele viu com seus próprios olhos o sucesso de Flash Gordon e outros personagens de aventuras e a profusão de cadernos especiais com tiras nos jornais americanos. Voltou com os olhos brilhando e foi propor ao ex-patrão Roberto Marinho o projeto de suplementos temáticos encartados. Marinho rejeitou a idéia do ex-pupilo, que foi bater na porta do diretor do jornal "A Nação", João Alberto Lins de Barros, integrante do movimento tenentista que ajudou Getúlio Vargas a tomar o poder em 1930. Em março de 1934, os suplementos temáticos bolados por Aizen enfim deram o ar da graça e entre eles, destacava-se o "Suplemento Infantil", a primeira publicação no país com os heróis dos quadrinhos americanos - Tarzan, Flash Gordon, Jim das Selvas, entre outros. Logo, o suplemento virou febre entre a petizada, aumentando a circulação do jornal, mas o sucesso fulminante trouxe problemas: leitores mais ortodoxos reclamaram que a credibilidade do vetusto e político diário estava à deriva, depois que as crianças, por causa do suplemento, viraram seus principais leitores. João Alberto, preocupado, cancelou o suplemento infantil mas continuou apoiando financeiramente Aizen, que conseguiu trazer à luz o Grande Consórcio de Suplementos Nacionais, embrião do que viria a ser a famosa Ebal (Editora Brasil America , 1945).
No Grande Consórcio, Aizen continuou publicando o Suplemento Infantil, agora avulso e logo rebatizado de Suplemento Juvenil, batendo recordes de vendagens. O sucesso da empreitada possibilitou o surgimento de outros sucessos: Mirim, em 1937, a primeira publicação brasileira de quadrinhos em formato americano e o Lobinho, que dizem as más línguas, foi registrado por Aizen para que o inimigo Roberto Marinho não lançasse O Globinho ( que realmente só foi aparecer muitos anos depois como caderno do O Globo e nome da matiné de desenhos da TV). Mirim saía duas vezes por semana no início (quartas e domingos), com séries continuadas, e logo ganhou uma terceira edição de sexta ( Mirim Sextaferino) com histórias completas ( outra novidade implementada por Aizen). Mas o pioneirismo e astúcia de Aizen não conseguiu segurar a gana de Marinho, que voltara sua atenção para o sucesso do ex-funcionário. Depois de provar seu próprio veneno com a recusa de Aizen em associar-se a ele nos quadrinhos, o manda-chuva de O Globo lançou-se ferozmente no mercado com o lançamento em 1937 de O Globo Juvenil ( nos moldes do Suplemento) e logo em seguida Gibi ( formato revista) que logo viraria sinônimo de revistinha em quadrinhos (apelido que perdura até hoje). Não contente, Marinho conseguiu em 1939 os direitos de publicação dos mais populares personagens junto à King Features, fazendo Aizen descontinuar séries cruciais e famosas, principalmente do Suplemento Juvenil, como Príncipe Valente, Flash Gordon, Jim das Selvas, entre outros - nesse episódio Adolfo se portou tão dignamente, que teve a sensatez de avisar na última edição das histórias que as continuações seriam vistas, em breve, no
Globo Juvenil. O Mirim tirado do meu baú é do período imediato, quando Aizen cambaleava com a falta de papel do pós-guerra, e sentia a concorrência pouco ética de Marinho. A edição acima, de abril de 1940, traz personagens secundários, com exceção de Tarzan e Joe Sopapo. As relações com o governo Vargas ainda eram profícuas, vide a aparição na capa do ministro Capanema elogiando a publicação paralela do livro patriótico "Grandes Figuras do Brasil". No ano seguinte, Aizen venderia o Grande Consórcio para o governo e permaneceria apenas como editor até 1945, quando fundou a Ebal e abriu um novo capítulo na frente de batalha do mercado de HQs, inclusive liderando-o por quase duas décadas. Mas essa já é uma outra história...
P.S: Para quem quiser se aprofundar na grande batalha entre Roberto Marinho e Adolfo Aizen e no inacreditável e covarde cerco aos quadrinhos perpetrado por figurões do governo, da igreja e da imprensa, eu recomendo a leitura do livro "A Guerra dos Gibis" (Cia das Letras -2007) do incansável pesquisador Gonçalo Jr., que trouxe à baila informações cruciais sobre o período nunca antes levantadas.