Como eu comentei com meu
amigo Henrique , "Depois de ver ao vivo os Rolling Stones duas vezes, e
agora, assistir a um beatle live - já posso me sentir realizado no quesito
shows". Com todo respeito às outras bandas e músicos que admiro - mas
Stones/Beatles pra mim estão na “estrato” - muito além da atmosfera comum da
música. E Paul McCartney, que eu já venerava como compositor/
instrumentista/cantor, mostrou que é realmente um profissional além das expectativas
e um cara naturalmente generoso. Valeu toda a saga que eu, minha mulher e os
rebentos passamos até sentar na cadeira e assistir um dos maiores shows de
nossas vidas. Pegamos a fila na terça-feira 25 já dando quase a volta completa
no recém inaugurado Alianz Parque, e não era ainda 16:30 h. O céu estava escurecendo, mas a
chuva só veio castigar a gente duas horas depois, e aí dá-lhe capa de chuva (
que eu consegui por R$5,00 dois minutos antes do toró - com a chuva inflacionou
pra R$20,00), e resignação para aguentar água intermitente na cara e bota
encharcada pesando uns 10 quilos no pé. O que ocorreu foi que a produção
externa do show, depois do dilúvio, perdeu totalmente o fio da meada e a fila
gigante que seguia uma certa lógica e divisão antes, acabou entrando na onda (literalmente) e virou um grosso bloco rumo aos portões, graças às fileiras que
se misturavam e aos furões que iam engrossando a massa compacta. Outro
agravante é que os portões só abriram depois das 18h30h, quando todo mundo já
estava com água até no cérebro. Mas tudo pelo Macca! adentramos o estádio sãos
e salvos perto das 19 horas e aí foi só aguardar o grande momento, marcado para
as 21 horas. No estádio, a produção dava conta e tudo estava muito
tranquilo, apesar da lotação ( e sem chuva na cabeça, graças à cobertura).
Sir
Paul só apareceu às 21:45h, mas foi logo tascando um clássico beatle, “Eight
Days a Week” (do álbum Beatles for Sale, de 1964), pra mandar embora qualquer
desconforto. E foi a partir daí que comprovamos que essa turnê atual é
realmente uma grande homenagem aos Fab Four, desde a maioria das músicas presentes
no setlist ( das 39 músicas, mais de 20 foram da era Beatles) até homenagens
explícitas a George e John. A celebração era clara: em cada música, Paul
reverenciava um instrumento ( violão, baixo, guitarra), levantando-o acima da
cabeça no final e louvando-o. Outra constatação no decorrer da apresentação foi o foco total
no “rock”, sem nem cheiro da fase mais pop de meados dos anos 80. O roteiro estava ali no
script, mas o compositor deixou tudo muito leve e natural, desde as expressões e gírias engraçadas
em português ( “ô meu”, Sampa, “bombando”, molecada, “é nóis”) até as
simpáticas saudações ao público. O setlist também não trouxe surpresas em comparação com outros shows da turnê, mas as
músicas foram tocadas com tamanha intensidade e vigor – lembrando que é um dos
últimos shows de uma turnê de um ano e o homem tem 72 anos ( 55 de rock) – que surpreenderam a todos da mesma forma. E é incrível pensar que ele é um dos poucos com tanto tempo de
estrada ainda com músicas novas pra mostrar – no show foram quatro canções, do ótimo
último trabalho, “New”, do ano passado – e que mantém a temperatura do show com
qualidade. Paul e banda não tem integrantes exclusivos para backing vocals e
nem precisa: o chefe não sofre de falta de fôlego em nenhum momento; muito pelo
contrário, estraçalha em músicas altas como “Maybe I’m Amazed” ( do primeiro
álbum solo de 1970, uma das mais emocionantes do show), e rocks pesados dos
primórdios, do Wings e do álbum branco (
como “Helter Skelter” e “Let Me Roll It”). E a banda, atinada, afiada, tocando
a um bom tempo com Mccartney, dá conta do recado direitinho, numa sinergia fluente e aparente no palco. Em “Paperback Writer” ( single beatle de 1966), mostrou com orgulho a
guitarra , avisando ser ela a mesma da época em que compôs o hit.
Os clássicos
foram se enfileirando, intercalando guitarra, violão e piano: “All My Loving” (
de 1963, a preferida do meu filho Gabriel), “The Long and Winding Road” ( do LP
Let it Be, de 1970), “I’ve Just Seen a Face” (de Help, 1965), “We Can Work Out “(single
de 1965), “And I Love Her” (de 1964), “Another Day” ( single de 1971,
queridinha da minha filha Letícia), além da inserção de um trecho de “Foxy Lady”, homenageando
“the king” Jimi Hendrix. Um momento alto do show ( literalmente) é quando o
artista é alçado para o alto na parte elevadiça do palco para tocar a mágica “BlackBird”
(álbum branco – 1968), aqui com um approach político vindo das cenas de
direitos civis no vídeo exibido logo abaixo de seus pés. Em seguida, mais uma
dose cavalar injetada no coração: a homenagem à John Lennon na emotiva “Here
Today” ( do solo “Tug of War” de 1982). E dá-lhe mais estupefação e êxtase na
sequência clássica: “ Lady Madonna” ( de Let it Be, 1970 – número que fez a
banda Cachorro Grande estrebuchar na pista), a divertida “All Together Now” (
de Yellow Submarine, 1969), “Lovely Rita”, “Being for the Benefit of Mr.Kite!”
( essas duas últimas do álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, de 1967,
pelo menos pra mim, as maiores surpresas do show ao lado das homenagens. A
última é cantada por John no original) , e “Eleanor Rigby” ( essa, do álbum
Revolver, de 1966, é uma das ‘preferred’ da Cris). Outra homenagem arrebatadora
veio na sequência: a singela versão de “Something”, de George Harrison, com
direito à ukelelê na introdução ( mais uma prova que o instrumentista Paul é
craque nas cordas). A plateia veio abaixo. E foi nesse clima que a banda
engatou uma trinca de trincar o chão: “Ob-La-Di,Ob-La-Da” (do branco, 1968 –
confesso que sempre achei ela boba, mas ao vivo cresceu muito no meu conceito),
“Band on the Run” ( classicaço do Wings, a banda setentista de Paul) e “Back in
the U.S.S.R” ( com uma hiperativa seleção de imagens no vídeo simultâneo). O
show já se encaminhava para a última parte, quando se aquietou para a essencial
“Let it Be”, uma das músicas mais conhecidas do mundo, subiu a adrenalina again
com a explosiva “Live and Let Die” ( com as manjadas explosões e fogos de
artifício – que mesmo óbvias, foram de arrepiar) e fechou com outra arrebenta
peito, “Hey Jude”, com seu coro de encerramento característico e providencial.
A chuva nesse momento apertou e quem estava na pista sentiu mais uma vez o
baque. Mas o jovem Paul McCartney logo voltou para o primeiro bis, com o mesmo
pique, pra puxar com o baixo “Day Tripper” ( essa, de 1965, era preferida do
Hendrix), “Hi Hi Hi” (rock and roll do Wings de 1972) e “I Saw Her Standing
There” (ieié dos melhores, circa 1963). O segundo bis, mais chuvoso ainda e
mais arrasador, chegou com “Yesterday” (de 1965 – Help!- a música mais tocada
no mundo), a cataclísmica “Helter Skelter” ( do álbum branco too – Paul fez
questão de executá-la com o baixo, tal qual na original), e fechou a noite com
a bela e proposital sequência “Golden Slumbers” (uma das melhores composições
de Paul na minha humilde opinião), “Carry
that Weight” e “The End” , todas do excelente Abbey Road, de 1969. Era “the
end” pra nós, depois de quase três horas de transe puro. Mas ao invés de adeus,
Sir McCartney manda um “até a próxima”, e esse não foi um aceno de script
apenas, mas a sua real empatia com o Brasil e a convicção pessoal de que vai mesmo
voltar em breve. Energia ele tem de sobra. Eficiência também. E como trabalha
para isso esse genial inglês!
Só não digo que o mundo pode
acabar depois dessa, porque quero estar na próxima turnê dele no Brasil.
Estamos te esperando, Paul. Valew, meu!
Day
After
O
dia seguinte, como mágica ( Magic Mistery Tour?), manteve a aura beatle
pairando sobre nossas cabeças. A Letícia, na correria da saída, deixou sua
bolsinha, com celular dentro, pendurada nas costas da cadeira em que estava,
dentro do estádio. Lá fomos nós atrás dos Achados e Perdidos do Alianz Parque, até
descobrirmos com o segurança, que ainda não tinham montado esse setor. Aí eu cismei
de ligar no celular dela, mesmo sem muitas esperanças, e um alô do outro lado
me confirmou a sorte danada que essa menina tem – Renato, o cara que estava do nosso lado no
show, viu o celular, guardou-o, carregou-o a noite toda, levou-o para o
trabalho e só estava esperando alguém ligar. Existe uma pessoa assim nesses dias? a humanidade não está inteiramente perdida. Combinamos de se encontrar no
shopping Bourbon e foi durante essa espera que os astros do rock mais uma vez
mexeram os pauzinhos lá em cima. Primeiro, vejo passar o Oswaldo Vecchione com
sua esposa, indo para o show. Pra quem não sabe, Oswaldo é um dos maiores roqueiros do Brasil,
fundador da banda de rock mais longeva dessas plagas, o Made in Brazil. Claro
que fui lá cumprimentá-lo e apresentá-lo ao meu filho Gabriel, que tá tocando
uma guitarra de responsa. Depois desse simpático encontro, quando me preparava
para ir embora, eis que surge direto do Rio de Janeiro, o grande Marcelo Fróes,
com um amigo, também dirigindo-se para o show, logicamente. Fróes, produtor e
pesquisador, um dos maiores especialistas em Beatles do país e dono do selo
Discobertas ( pura arqueologia em disco – basta olhar as últimas caixas que
estão saindo com artistas brasileiros. Ouro puro!), é amigo de George Martin e
já se encontrou com Paul McCartney em Abbey Road. Eu o conheci há uns 15 anos atrás, em uma de suas pesquisas dentro da Editora Abril e desde então temos mantido contato. A conversa foi rápida, mas
fechou com chave de diamante esses loucos e incríveis dois dias em que Paul
McCartney esteve em Sampa.
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