27 de janeiro de 2016

20 anos sem Caio Fernando Abreu

As atrações, exposições, saraus e outras manifestações em homenagem ao grande escritor Caio Fernando Abreu já começam a pipocar, menos de um mês antes do vigésimo ano de sua morte. Foi em 25/02/1996, de AIDS, doença que ele encarou de frente com muita esperança de cura - se fosse nos dias atuais, talvez o escritor conseguisse essa sobrevida tão cara a ele. Abreu adorava a vida e a viveu intensamente - mergulhou na contracultura hippie, no misticismo, nas drogas, na liberação sexual, na boemia - e talvez tenha sido o escritor de sua época que mais mostrou em suas crônicas, contos e poesias as angústias e inquietações de uma geração. Foi um dos pioneiros ao unir literatura e jornalismo ( e assim foi em todas as redações que passou - como repórter em Nova, Manchete,Veja e Pop e colaborador do Estadão, Correio do Povo, Zero Hora e Folha). O primeiro romance é de 1970, ainda cru, mas já mostrando toda a sua visão de mundo. Um pouco antes, perseguido pelo DOPS, refugiou-se na chácara da intensa Hilda Hirst  - e por toda sua vida, esse caminho até o refúgio da escritora seria um pouso constante e importante. Resolveu se auto-exilar e perambulou pela Europa no início dos 70. Retornou mais alternativo e transgressor do que nunca. Escreveu teatro, jogou tarô, mergulhou na astrologia, ficou louco, desbundou  e adentrou os anos 80 confuso como todo mundo, mas forte e destemido, gerando sua obra prima "Morangos Mofados", um ícone literário da nossa contracultura, que em seus contos irrequietos cobertos de cultura pop e rebeldia, recolocou nos trilhos a literatura jovem que venerava a geração beat. Estranho pensar que ele não conheceu a internet - ele, que acabou virando mito para a geração virtual. Essa atemporalidade da sua obra tem a ver com a sua visão dramática e nevrálgica mas também com a facilidade de rir de si mesmo. Na internet pipocam frases suas ( e nem sempre são suas) de otimismo latente, mas o recheio de sua obra é um caldo viscoso e grosso salpicado de morte, solidão, dilemas, medo.

O sexo e a espiritualidade sempre de soslaio, apontando para todos os lados. Levantou bandeiras corajosas sob o jugo da ditadura. A busca da felicidade, do amor, sempre presente em sua obra. Foi amigo de um monte de amigos e escreveu cartas para muitos deles - e os documentários estão aí para comprovar esse seu poder de agregar almas. Vi os dois que saíram quase ao mesmo tempo em 2014: "Sobre Sete Ondas Verdes Espumantes", de Bruno Polidoro e Cacá Nazario, é fragmentado, cortante, intenso, emocional; já "Pra Sempre Teu, Caio F.", de Paula Dip e Candé Salles, é mais direto, linear, tradicional, mas também emocional ( esse foi baseado no livro de mesmo nome de sua amiga Dip). Gostei dos dois e recomendo uma dupla sessão, pois juntando essas dualidades presentes nas películas, temos um Caio Fernando Abreu quase por inteiro. Várias obras suas foram filmadas e viraram peças. As obras e sua vida sempre deram um nó na cabeça daqueles que tentaram adentrar o caos quieto de sua persona. Caio foi cidadão do mundo - morou no Rio, São Paulo, Paris,  Espanha, Inglaterra, e nos seus últimos dias acabou voltando pra sua terra Rio Grande do Sul - nasceu em Santiago, cidade que tem uma Rua dos Poetas por causa sua, e faleceu em Porto Alegre, na casa de seus pais, no início do ano que também veria a morte de Renato Russo. Um cometa incandescente, que incendiou sem intervalos, os anos 60, 70, 80 e 90.
Fiquem ligados pois muitas homenagens rolarão a partir de agora. Caio Fernando Abreu, que adorava holofotes, mas podia meditar em cima de uma árvore por dias, vai ligar seu plug, esteja onde estiver!
( Separei matérias, estudos, cenas e declamações para apreciação logo abaixo)


Um filme com um amigo de Caio F. - https://www.youtube.com/watch?v=iriImtzfFak 


Um poema:

O médico perguntou: 
— O que sentes?
E eu respondi: 
— Sinto lonjuras, doutor. Sofro de distâncias.

(Caio Fernando Abreu)

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