27 de agosto de 2019
Fernanda Young (1970-2019) e Sonia Abreu (1951-2019)
Duas mulheres essenciais, fortes, transgressoras , tão necessárias para esse cenário titubeante e decepcionante atual, partiram muito de repente nesta semana e nos deixAram com o coração encharcado de tristeza. Fernanda Young, atriz, escritora incrível, com enredos para TV engraçadíssimos e anárquicos - como Os Normais - e indo para sua 15ª obra literária, e Sonia Abreu, radialista, produtora, jornalista, primeira DJ mulher do Brasil, se foram por esses dias e deixaram mais uma cratera gigantesca neste ano cheio de buracos, absurdos e desenganos. Um grande buraco pelas colunas que não lerei mais da Fernanda e outro tão grande quanto para o fim dos eventuais papos inbox com a Sonia, doces, simpáticos, aconchegantes, sempre. Não vou entrar em detalhes sobre as causas...não importa. Que Deus ilumine essas duas guerreiras. (abaixo, a última coluna da Fernanda Young, no O Globo de ontem).
(Sonia nos anos 70 - Grace Lagoa - divulgação)
(foto de perfil de Sonia Abreu no FB -reprodução Facebook) (Fernanda Young - abaixo)
Bando de cafonas
A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada, e a pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos domina. Não exatamente nas roupas que vestimos ou nas músicas que escutamos — a pessoa quer falar do mau gosto existencial. Do que há de cafona na vulgaridade das palavras, na deselegância pública, na ignorância por opção, na mentira como tática, no atraso das ideias.
O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e sem compostura. Acha que pode tudo e esfrega sua tosquice na cara dos outros. Não há ética que caiba a ele. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, educação, delicadeza, para um convicto e ruidoso cafona, é tudo coisa de maricas.
O cafona manda cimentar o quintal e ladrilhar o jardim. Quer todo mundo igual, cantando o hino. Gosta de frases de efeito e piadas de bicha. Chuta o cachorro, chicoteia o cavalo e mata passarinho. Despreza a ciência, porque ninguém pode ser mais sabido que ele. É rude na língua e flatulento por todos os seus orifícios. Recorre à religião para ser hipócrita e à brutalidade para ser respeitado.
A cafonice detesta a arte, pois não quer ter que entender nada. Odeia o diferente, pois não tem um pingo de originalidade em suas veias. Segura de si, acha que a psicologia não tem necessidade e que desculpa não se pede. Fala o que pensa, principalmente quando não pensa. Fura filas, canta pneus e passa sermões. A cafonice não tem vergonha na cara.
O cafona quer ser autoridade, para poder dar carteiradas. Quer vencer, para ver o outro perder. Quer ser convidado, para cuspir no prato. Quer bajular o poderoso e debochar do necessitado. Quer andar armado. Quer tirar vantagem em tudo. Unidos, os cafonas fazem passeatas de apoio e protestos a favor. Atacam como hienas e se escondem como ratos.
Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais chique do que um pobre honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de tudo que está acontecendo. Porque só o bom gosto pode salvar este país. (Fernanda Young - O Globo 26/08/2019)
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