Um dia de consternação. Zuza Homem de Mello, produtor, escritor, jornalista, mestre de cerimônias, radialista, pesquisador, colecionador, músico, partiu, aos 87 anos. Triste, muito triste pela sua partida, mas confortado por saber de sua vida intensa e apaixonada e por saber também que ele faleceu dormindo, em paz, depois de brindar com a família à noite por todos os projetos bem sucedidos. E quantos projetos! Sua idade não o fazia descansar e a música, sua paixão da vida inteira, estava em todos eles. Como o último, "Muito Prazer, Meu primeiro Disco", em parceria com o Sesc e idealizado pelo jornalista Lucas Nobile. Em curadoria conjunta no projeto, Zuza entrevistou para o primeiro capítulo, Gilberto Gil que desfia para o público seu primeiro LP, "Louvação", de 1967 (a entrevista pode ser acessada nas redes sociais do Sesc, no Youtube do Sesc Pinheiros e na plataforma do Sesc Digital). Na pandemia estava superativo, participando de lives e colaborando com vários programas. O seu programa na Rádio USP, 'Playlist do Zuza" também estava à toda no ar, desde 2017 e sempre muito intenso, como tudo o que Zuza se dispunha a fazer. Li o seu livro "Copacabana - A Trajetória do Samba-Canção" (2017 - Editora 34) no início deste ano e simplesmente amei tudo nele: o tema, a pesquisa, os detalhes apurados das gravações de grandes clássicos, a geografia carioca na época, as entradas pessoais de Zuza como um diário em busca da boa música. Uma grande obra que ele maturou por 10 anos! Outros livros de Zuza que devem ser lidos por todos que amam música: os dois volumes feitos a quatro mãos com o pesquisador Jairo Severiano nos anos 90 para a série especial musical da editora 34, "A Canção no Tempo", onde cada ano é apurado e suas canções marcantes esmiuçadas; "A Era dos Festivais", detalhando um dos períodos mais férteis da música brasileira no papel de testemunha ocular privilegiada como técnico de som da Record. Esse emprego na Record veio em sua volta ao Brasil, depois de passar um bom tempo nos EUA, primeiro aprendendo a tocar baixo com lendas do instrumento no jazz, como Ray Brown, na School of Jazz em Massachusetts e em seguida na prestigiada Juillard School of Music, em Nova York. Enquanto estudava, passou a frequentar casas míticas de Jazz, onde pode ouvir ao vivo lendas como Thelonius Monk e John Coltrane. Lá aprendeu não só a tocar, mas a ouvir a boa música, o que o levou à grande meta da sua vida: fazer as pessoas saberem ouvir música. E foi o que fez: na Record, na TV Cultura, como diretor em "O Fino da Música" no Anhembi (SP) - onde conseguiu reunir o regional de Canhoto, Elis Regina, Ivan Lins, Elizeth Cardoso, entre muitos outros -, e como um dos articulistas do I Festival Internacional de Jazz de São Paulo em 1978 (em sete dias e oito noites), que trouxe nomes como Dizzy Gillespie, Benny Carter, Stan Getz, Astor Piazzolla, Jazz at Philarmonic (que entre seus lendários componentes tinha a presença de Ray Brown!) e Etta James, e também na segunda edição (1980), de novo em parceria com Montreaux, trazendo Betty Carter, Dexter Gordon e Joe Pass. Tive o grande privilégio de conhecer Zuza quando o entrevistei em 2010 para um projeto sobre a gravadora Marcus Pereira (que acabou abortado). Em seu apartamento em Pinheiros, além da excelente acolhida sua e de sua esposa Ercília, pude contemplar (babando) sua primorosa coleção de LPs que tomavam as paredes de um cômodo inteiro. Me mostrou três fileiras que considerava o xodó da coleção: Jazz; Música instrumental brasileira e Chorinho, e nos intervalos da entrevista, saboreando um bom café, colocou no prato alguns discos escolhidos a dedo. Um momento de pura exaltação e inesquecível pra mim. Nos anos seguintes, trocamos alguns e-mails e sempre que podia mandava alguns catálogos de discos para ele. Há duas semanas, depois de um bom tempo sem contato, falei com ele por telefone, pedindo ajuda em uma pesquisa, caso localizasse em sua coleção. Ele sempre solícito e generoso, disse que ia checar e caso achasse algo, avisava. Ontem partiu silenciosamente, como se tivesse se preparando para uma viagem como aquela da sua juventude, mágica e surpreendente. Onde for, a música certamente vai estar te esperando, Zuza!
(para quem quiser saber mais sobre o Zuza, vale a pena ver o curta 'Zuza Homem de Jazz" de Janaína Dalri - aqui: https://canalcurta.tv.br/filme/?name=zuza_homem_de_jazz )
Em tempo: espero que o lançamento da biografia de João Gilberto que estava planejado pela Editora 34 para a virada do ano ainda se mantenha!
Fará muita falta, Zuza sempre foi uma grande referência.
ResponderExcluirNem fala, Rogério!
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