Aqui pertinho de casa, uns quatro quarteirões pra cima, uma lojista resolveu colocar na calçada um simpático móvel com livros sortidos para retirada grátis. O famoso "deixe um, pegue outro". Hoje levei lá cinco livros do meu acervo e peguei três: um infantil do escritor João Carlos Marinho - "O Conde Futreson" - com a turma do Gordo; um volume da série "Viagem pelo Brasil", "Qual é o seu Norte - Almanaque da Amazônia", de Silvana Salerno com ilustrações do ótimo Gonzalo Cárcamo; e um livrinho de antologia poética, "50 Poemas de Revolta" (Cia das Letras), com uma seleção bem escolhida de poemas indignados, daqueles que põe o dedo na ferida, cutucam, gritam aos quatro ventos, ironizam a hipocrisia, subvertem o estabelecido. Entre os poetas, luminares como Ferreira Gullar, Hilda Hilst, Drummond, Vinicius, Roberto Piva, Zuca Sardan, Chacal, Ana Cristina César, Torquato Neto, Leminski, Alice Ruiz, Jorge de Lima e muitos outros. Nesses tempos em que se trocam as mãos pelos pés como se troca de roupa, se indignar, se revoltar, é como respirar! Seguem dois versinhos singelos da antologia citada:
ERRO DE PORTUGUÊS
Oswald de Andrade
Quando o português chegou
Debaixo d'uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
o português
OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO
Carlos Drummond de Andrade
Chega um tempo em que não se diz mais: meu
{Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa que venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos
{edifícios.
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
(no correr do ano, posto mais desses versos subversivos)
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