No início dos anos 1980, a região do Grande ABC em São Paulo vivia um grande turbilhão em suas garagens, estúdios caseiros e qualquer outro lugar onde coubesse uma banda recém formada, ávida por compor músicas próprias e tocar ao vivo. A virada dos anos 1970 para os anos 1980 marcou um momento de transição em que a música brasileira procurava um novo rumo, depois de passar maus bocados com a censura da ditadura militar (principalmente no Governo Garrastazu Médici e Geisel) e ver o rock arrefecer a audiência com a aparição do fenômeno "Disco" nas pistas e uma nova leva de mulheres cantoras na MPB que estouraram em vendagens de discos com muita sensualidade e personalidade ( Angela Ro-Rô, Simone, Frenéticas, Zizi Possi, Elba Ramalho, Amelinha) e fizeram com que outras mulheres com a carreira já consolidada voltassem às paradas também (Elis Regina, Gal Costa, Maria Bethânia, Joyce). O mercado tentava voltar aos bons tempos dos festivais (Festival de MPB da TV Tupi 1979; MPB 80; MPB Shell 81; MPB Shell 82 - estres três na TV Globo), enquanto a música independente e "underground' movimentava os subterrâneos urbanos, ou pelos caminhos dodecafônicos e experimentais ( Arrigo Barnabé; Itamar Assumpção e Isca de Polícia, Rumo, Premê, Língua de Trapo, Banda Um) ou pelos becos e quebradas da periferia (com os punks). O ABC sempre foi uma antena parabólica para os movimentos musicais e aquela época não foi diferente. A Fundação das Artes em São Caetano, reduto de grandes músicos desde a sua fundação em 1968, fervilhava nesse começo de década e as casas noturnas e culturais no entorno espelhavam essa efervescência ( Café Casinha; Trem das Onze). Foi nessa atmosfera que cinco jovens músicos na cidade fundaram uma banda muito consistente e apaixonante chamada Ponta Cristal. Paulo Dáfilin (violão, guitarra e voz); Gerson Machado (violão e voz); Luis Alvares (contrabaixo e voz); Duda Moura ( bateria) e Amílcar Lobosco (flauta e sax), além da amizade, cultuavam mutualmente a música brasileira plantada pela geração que criou e perpetuou a revolucionária Bossa Nova, a geração transgressora do Tropicalismo e os grandes músicos formadores do genial Clube da Esquina. Com essa formação (e a participação especial do tecladista João Cristal, na época integrante do grupo Fruto da Terra), gravaram o primeiro LP, independente, que teve algumas faixas tocadas nas rádios de MPB da época. Empolgados, foram para a estrada, com a adição do tecladista Ricardo Penachi na formação, e tocaram em dezenas de locais importantes da região, como a Fundação das Artes e os teatros Paulo Machado de Carvalho, Elis Regina e Santos Dumont, com um set list recheado de composições próprias e músicas de outros compositores que faziam a cabeça dos integrantes, principalmente os mineiros (Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes). Foi um período intenso e recompensante, mas com o mercado cada vez mais voltado para o chamado BRock (o rock que voltou nas paradas após o estouro da Blitz em 1982), remar contra a maré ficou cada vez mais complicado para a banda, que resolveu interromper as atividades por tempo indeterminado. Cada integrante seguiu sua própria jornada dentro da música profissional nas décadas seguintes e a velha amizade continuou a toda prova, visto que em vários momentos se encontraram em participações especiais em projetos novos e outras bandas.
O Ponta Cristal em 1984Mas o mais incrível nessa trajetória ainda estava por vir: nesse ano de 2023, o Ponta Cristal resolveu oficialmente voltar à ativa e - viva! - praticamente com a mesma formação que fundou a banda (com exceção de Gerson Machado). Com toda experiência e influências adquiridas nesses 40 anos, os integrantes já gravaram o primeiro single, "Outono" (que conta mais uma vez com a participação do tecladista João Cristal), a primeira música de um projeto batizado de "Novas Memórias", que pretende lançar várias composições dessa nova fase do ponta Cristal nas redes sociais e plataformas de distribuição digital de música. A pungente "Outono" foi composta por Paulo Dáfilin e Duda Moura durante a pandemia e traz em seu bojo toda a introspecção daquele momento de dúvida e espanto, mas também a esperança no retorno da banda e a vontade de seguirem juntos para sempre, com a essência lá de trás intacta, em busca de novos caminhos artísticos. O segundo single, "Molecagem", vem aí, com previsão de lançamento para setembro de 2023. Prova de que a volta do Ponta Cristal, depois de quatro décadas, é pra valer mesmo e pelo visto, com muitas surpresas e emoções à frente! Assim seja!
Instagram: @pontacristaloficial
Clipe: https://youtube.com/watch?v=GbuVtpt0Uuo&si=0n5lvYYBfVRv1tAt
Acesso às plataformas para ouvir as novas músicas: https://pontacristal.hearnow.com/