10 de maio de 2023

Rita Lee (1947-2023)

 


Ah, Rita Lee! Minha musa primeira na música! Você escreveu: "Se Deus quiser, um dia morro bem velha/ Na Hora H, quando a bomba estourar/ Quero ver da janela." Você não morreu tão velha como a gente queria (o egoismo nosso de sempre), mas viveu intensamente seus 75 anos e viu muitas bombas estourarem em frente à sua janela (graças que não aquela que podia acabar com o mundo) e inteligentemente deu seu recado, sem precisar levantar cartaz na rua (camiseta sim: como aquela, "Eu odeio rodeio"). A única vez que subiu em palanque político foi pra pedir Diretas Já, ao lado dos jogadores da Democracia Corinthiana (Sócrates, Casagrande, Vladimir e cia). Ah, Rita. Você é minha musa e apareceu na minha parede, na minha vitrola e na minha fita K-7 antes das outras (Elis, Nara, Gal, Sylvia Telles, Leila Pinheiro, Angela RoRo, Leny Andrade, Beth Carvalho, Monica Salmaso, Tuca, Alaíde Costa). Foi em 1979, eu com meus 11 pra 12 anos. Sua música já estava ali no ar, soprada, mas só fui pescar pra valer seus versos e suas canções naquele ano, quando comprei aquela revista especial da Rio Gráfica sobre você. A revista vinha com um adesivo emborrachado e tinha toda a sua história, desde os Mutantes. Comecei a procurar suas composições, comprei compactos e só não adquiri os mais antigos porque já naquela época os preços eram extorsivos. Mas quando o Calanca da Baratos Afins relançou pelo seu selo em meados dos 80 todos os discos dos Mutantes mais aqueles dois solos seus, de 1970 e 1972 - Build Up e Hoje é o Primeiro Dia do Resto da sua Vida (que na verdade, ainda tinham os Mutantes por trás), comprei todos. Aí eu mergulhei nos seus primeiros anos e percebi de vez toda a sua relevância na banda que é considerada uma das mais importantes dos anos 60 (não só no Brasil, mas no mundo). A sua irreverência e inteligência não foram suficientes para evitar sua expulsão da banda, mas olhando em retrospecto, foi a melhor coisa que podia acontecer, pois a partir daí, você se libertou das amarras do "rock mais sério" que rondava os Mutantes e caiu no mundo: visitou Gil no exílio em Londres (logo depois da expulsão), ficou ruiva, fez dupla com a amiga Lucia Turnbull (exímia guitarrista), formou o Tutti-Frutti (uma das melhores formações roqueiras dos anos 70), lançou discos eternos (Fruto Proibido, de 1975, está em qualquer lista decente de melhores discos brasileiros de todos os tempos, Rita Lee, de 1979, é transcendente; Entradas e Bandeiras, de 1976, é mágico, embora mal gravado), conseguiu mostrar sua porção escritora ( Pra mim, a melhor. Um livro que debruce pra valer nas suas letras, urgentemente!!), misturou seu rock com o pop, baladas e outras diversões sem remorso nenhum, conheceu sua alma gêmea (Roberto do Carvalho, pai de seus filhos e companheiro até o último dia), deu voz às mulheres, pode enfim ser Rita Lee integralmente, genuína, autêntica, terror dos caretas, anti-hipocrisia, a guardiã dos bichos, a rainha do rock e da liberdade. Ah, Rita! pode voar com suas asas imensas, que aquela doença que você até botou apelido, ficou pra trás. O mundo certamente vai ficar mais chato e careta do que está, mas a sua luz, sabedoria e música vão iluminar para sempre qualquer resquício de escuridão.

( Eu sempre escrevi muito sobre a Rita Lee no blog. Quem quiser ver mais, use a busca da página)

                                           
                                             A revista de 1979... 


                                            
Uma das grandes músicas de Rita Lee (aqui, em parceria com Luis Sergio Carlini), uma das mais "paulistanas" da sua carreira.