David Bowie incontestavelmente é o "camaleão" do rock, não só pela sua natural disposição em mimetismos vestuais e faciais mas também pelo seu caldeirão de influências, derramado nas canções híbridas de seu vasto acervo e em suas modulações vocais teatralizadas. Nascido David Robert Jones, usou seu nome de batismo nas primeiras composições (David Jones), mas como já havia um quase homônimo fazendo sucesso (Davy Jones integrante dos Monkees, falecido em fevereiro deste ano) optou pelo Bowie. Com o novo sobrenome lançou o primeiro disco homônimo, de 1967, já permeado de influências como Bob Dylan/folk , Syd Barret/Pink Floyd, movimento hippie, rock londrino e os beats, mas sem sucesso algum, talvez por sua dispersão. Já o segundo (também homônimo, mais tarde chamado de "Space Oddity") também não vende o esperado, embora inclua seu primeiro sucesso ( lançado um pouco antes como single), Space Oddity, hit totalmente influenciado pelo clima kubrickiano de "2001" e que tocou exaustivamente até a virada da década (foi usada pela BBC na chegada do homem à Lua). Já conhecido, mas ainda descontente e um tanto perdido, Bowie lança em 1970 o ótimo "The Man Who Sold the World", recheado de hard rock e bem mais solto que os discos anteriores - a impressão que dá ao ouví-lo é que causaria menos estranhamento se fosse lançado uns três, quatro anos depois (Bowie sempre adiante). Mick Romson, amigo e parceiro de Bowie por anos, escancara sua guitarra mágica nessa obra.
É com esse "represamento" artístico que Bowie lança em 1971 "Hunky Dory", sua primeira obra-prima. Salpicando todas as influências anteriores com uma tranquilidade e serenidade inéditas até então, o disco não tem faixa mediana - de uma maneira ou outra, todas parecem perfeitas - e enfileira futuros hits como Changes, Oh You Pretty Things, Kooks ( para o recém nascido filho) e Life on Mars com as pérolas lapidadas Song for Bob Dylan, Andy Warhol ( que David conhecera um ano antes nos EUA e influenciaria toda a sua estética posterior) e a bela Quicksand, além de canções enigmáticas e herméticas, sem preocupações comerciais, mas totalmente climatizadas com o resto, caso de Eight Line Poem (prenúncio das homenagens do disco) e The Bewley Brothers e duas faixas antenadas com a virada da década: Queen Bitch, a la Velvet Underground ( e justamente uma homenagem à Lou Reed) e Fill Your Hearth ( de Biff Rose e Paul Williams), cinematográfica e orquestrada, em sintonia com as trilhas contemporâneas em formato de "crônicas". Um dos que ajudaram Bowie a moldar esse intrincado clima melodioso foi o ainda pouco conhecido Rick Wakeman, futuro mago do teclado progressivo. Usei "futuros hits" pois embora Hunky Dory emocione e /ou sensibilize grande parte de seus privilegiados ouvintes, na época não vendeu grande coisa ( nenhuma novidade na carreira de Bowie até então, com exceção de Space Oddity, o single). Ele só foi devidamente notado e cultuado a partir do disco posterior, The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars, a obra prima (essa sim) que iria catapultar Bowie para sempre no panteão dos grandes do rock e iria demarcar o território do camaleão inglês. Mas para se chegar a essa clareira luminosa, David Bowie precisou criar pequenos lampejos anteriores, entre 1966 e 1969, e moldar uma delicada pintura sonora chamada Hunky Dory, a primeira de suas obras primas. No Brasil, esse disco é cultuado mas pouco visto à venda em feiras e encontros de vinis, o que é uma grande pena ( o disco hard de 1970, com Bowie de vestido na capa, é mais comum).
Segue a íntegra das faixas, em um belo trabalho de seleção e layout do blog ROCKONTRO, apaixonada confraria roqueira de Goiás, e uma versão fantástica de Seal para Quicksand (acústico MTV):
http://www.rockontro.com/galeria-videos.php?view=69&titulo=David%20Bowie:%20Hunky%20Dory
http://www.youtube.com/watch?v=t39EtXBgXh0
Atualizando: disco na íntegra: https://www.youtube.com/watch?v=YQTENuQYgjM
Nenhum comentário:
Postar um comentário