31 de janeiro de 2025

Lendo

 Janeiro findando e a pilha na cabeceira vai baixando. Entre as pérolas que já li nesse início do ano:


Este livro do poeta, professor, letrista e tradutor Duda Machado é de 1997 e eu só o descobri neste ano. Li com muito prazer suas poesias etéreas e ao mesmo tempo lúcidas. Duda, baiano de 1944, foi/é muito amigo de Caetano e segundo este último, foi crucial para o Tropicalismo quando chamou a atenção do jovem compositor em 1967 para o filme "Acossado" de Godard, que para ele era muito mais importante do que "Hiroshima, meu Amor", de Alain Resnais. Depois de morar com Caetano no mítico Solar da Fossa, no Rio, encontrou Jards Macalé e com ele fez meia dúzia de canções - em disco saíram "Hotel das Estrelas" e "The Archaic Lonely Stars Blues", gravadas por Gal Costa. Na sequência, produziu a revista "Pólem" e participou do projeto poético anárquico "Navilouca" de Waly Salomão e Torquato Neto (que faleceu em 1972 e não viu a revistona vir à tona). Com essa cancha, Duda finalmente se viu como poeta e a partir do seu primeiro livro, "Zil', de 1977, nunca mais parou de poetizar. Sua escrita tem tropicália, concretismo, Bandeira, Murilo Mendes, Drummond, João Cabral, mas tem também muita identidade própria, numa linguagem sublime, leve, mas sólida. Ainda é fácil de achar esse livro nos amazons e estantes virtuais da vida - se não for esse, comprem logo a antologia póética "1969-2021", que saiu pela Círculo de Poemas no ano passado, pegando praticamente toda a sua obra.


Esse simpático livrinho acima é da coleção "Esses Gaúchos' da editora Tchê!, que contempla, quase 40 nomes da cultura e sociedade gaúcha, de Elis Regina e Teixerinha a Prestes, João Cândido, Álvaro Moreyra e Barão de Itararé. Lançado em 1986 e escrito por Jimi Neto e Rossyr Berny, lança luz sobre a meteórica carreira do músico e produtor Carlinhos Hartlieb (1947-1984), numa linguagem bem descontraída e cheia de referências sobre a efervescente cena musical e cultural do Rio Grande do Sul entre os anos 1960 e 1980. Carlinhos foi um grande catalizador de talentos do teatro e da música que estavam espalhados pelo Estado e graças a sua verve natural para a união e para a produção integrada foi um dos grandes responsáveis para que novas gerações se encontrassem e achassem seu lugar a partir de produções independentes capitaneadas pelo músico. Do início na bossa nova ainda em 1963 (com o amigo Hermes Aquino, que estouraria na década seguinte com "Nuvem Passageira") até o rock do final da década e o teatro gutural do Oficina em São Paulo, Carlinhos se encontrou mesmo quando assumiu no meio dos 70 o papel de produtor e agitador cultural, abrindo espaço para a nova música gaúcha na unha. Mesmo com um documentário feito em 2008 ("Um Risco no Céu", de René Goya Filho,que pode ser assitido aqui: https://www.youtube.com/watch?v=XwM5KX_1FIY), o nome de Carlinhos permanece na sombra e a sua morte prematura é uma das responsáveis por esse hiato: em 1984, seu corpo foi encontrado sem vida em seu retiro, uma cabana na praia do Rosa em Santa Catarina. Sua morte, que a polícia considerou na época como 'enforcamento', deixa até hoje muitas indagações no ar, pois o laudo pericial não encontrou sinais de lesão cervical e apontou indícios de violência e a falta de onze dentes em sua arcada. O legado de Carlinhos precisa ser retomado, pois além de sua importância como agente cultural, sua música é radiante e vibrante. Como curiosidade final, um dos registros mais sólidos que Carlinhos acabou deixando para a posteridade involuntariamente foi o reconhecimento de uma nova espécie de aranha coletada por ele ainda no início dos ano 60 - aranhas sempre foram uma paixão em sua vida -, e que a Universidade de Harvard finalmente registrou em 1988 como Alpaida hartliebi, em sua homenagem.


O genial Dalton Trevisan (1925-2024), falecido recentemente e considerado um dos melhores contistas da literatura brasileira, já era recluso e consagrado quando entregou nas livrarias esse romance "A Polaquinha" em 1985, mais um sucesso inconteste de sua longa carreira. Trevisan escreveu dos anos 1940 até o ano de sua morte, um feito incrível e louvável. Vale a pena mergulhar em suas obras e co- nhecer seu universo conciso, popular e peculiar, repleto de pesadelos particulares e angústias cotidianas.


Quando Gonçalo Junior encasqueta e resolve biografar alguém, pode crer que o livro resultante dessa pesquisa/mergulho vai ser profundo, minucioso e revelador. É só ler qualquer uma de suas obras ("Guerra dos Gibis"; "Eu Não sou Lixo" - biografia de Evaldo Braga; "Pra que Mentir", bio de Vadico; "Visionário dos Quadrinhos", com a história de vida do artista José Luis Salinas; "Um Coração que Chora", com a bio de Jacob do Bandolim, entre tantas outras) para se chegar a essa conclusão. E o livro sobre a pioneira do nosso rock, Celly Campelo ("Garota Fenomenal", coescrito com Dimas Oliveira Junior) não foge à regra e refaz toda a sua trajetória, do sucesso retumbante ainda adolescente no final dos anos 1950, passando por sua surpreendente saída do show business para se casar, com apenas 19 anos até chegar aos mínimos detalhes de sua vida intensa, que presenciou revivals (como o advento da novela "Estúpido Cupido" em 1976) , mas principalmente se viu cercada por críticas e pressões de todos os lados, anos depois da decisão que a tirou da carreira pra sempre. Imperdível!




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