Festival do Idalina - 1984
Mais uma vez o chão a minha volta tremeu nessa pandemia: soube ontem à noite que o Átila, amigo de longa data (quase 40 anos de amizade), nos deixou antes do combinado. Quem o conheceu, sabe que ele era daqueles que de tão à flor da pele e com tanta ânsia e fome de tudo, podia tanto se transformar em uma onda cheia de paixão e ternura como um vulcão incontrolável. Foi assim a vida toda. Mas não vou entrar em seus conflitos e dificuldades aqui e sim lembrar de tantos, tantos momentos inesquecíveis que testemunhamos juntos, nessas quatro décadas de amizade: as composições que fizemos (eu letra, ele música) a partir do longínquo 1984 - que guardadas as devidas proporções, tinham uma sinergia na criação que lembrava Elton John-Bernie Taupin; o presunto parma que seus pais compravam e a gente devorava nas manhãs pós madrugadas insones em sua casa em Santo André; o festival de música ainda em 1984, para o qual formamos uma banda hippie de 7 integrantes, classificamos 6 músicas e por causa de problemas técnicos (e falta de ensaio), não levamos nenhuma para a final; o milagroso café da manhã que minha santa mãe levava pra gente no meu quarto (cujo ar era uma mistura de cigarro, álcool e chulé), nos domingos que acordávamos de ressaca às três da tarde; a viagem para Porto Alegre em 1986, quando descobri que lá não se atravessava serra para chegar na praia e que o Átila tinha duas avós incríveis: uma, amorosa e cheia de abraços, outra braba que só, mas muito divertida em sua rabugice; suas grandes interpretações de Elvis Presley, tanto no palco como em rodas de violão - aliás foi ele quem me mostrou tesouros escondidos da discografia do rei (e em troca eu lhe retribuí com os Stones); a viagem maluca que fizemos com o Zucco em que levamos pás e picaretas atrás de um veio de ouro que ele tinha visto em seu sonho (será que isso também foi sonho?); o apartamento de sua família na Ponta da Praia em Santos, que entrou para o folclore da turma do Ponto depois de tanta bagunça (e que por isso foi interditado posteriormente para qualquer integrante da turma); as noites sem fim do Chaplin Bar; os ensaios na casa dos Mazuras (regado à Beatles, Made in Brazil e Joelho de Porco) e na Tumba; os churras que duravam três dias na casa da Greice na Rua Alegre; as conversas filosóficas no terraço do Luiz; o show antológico em Santo André, que tinha na plateia minha tia e minha mãe, e foi tão empolgante que terminou com o Átila de shorts; a Kombosa que compramos em sociedade (por 500 pilas) e que depois de andar muito (chegou a ficar um tempo com a turma TNT, do mesmo bairro), acabou arriada no chão na Anhanguera, depois que lotamos a coitada em um trampo com material de gráfica; o show do Legião no Aramaçan; as voltas de moto pelo ABC; e tem mais, muito mais. Anteontem, como sempre fazíamos, trocamos mensagens via whats e ele, sempre empolgado (embora tenha reclamado de “probleminhas de saúde”), fez mais uma vez planos de tocarmos juntos nesse ano, e dessa vez com a presença do Gabriel e Letícia (meus filhos musicais). Lembrou também dos velhos tempos e parecia bem. Ontem, sua ex-esposa me avisa que ele faleceu no domingo à noite (ou seja, algumas horas depois da nossa conversa), possivelmente de um infarto. Era uma despedida.
Siga em paz, meu amigo. Agora, é descansar dessa sua última vida tão agitada e atribulada e ficar um pouco mais perto do seu pai, da minha mãe, do Délius e de tanta gente querida que certamente lhe acolherá onde você estiver.
No Chaplin - início dos 1990
II Festival do Idalina - 1985 (banda Sétimo Cálice): Haroldo, Átila, Shazam, Ruy, Marcelo Mazuras, Ricardo Mazuras
Malu & Átila no I Festival do Idalina em São Caetano do Sul (Délius aparece atrás)
Átila, Nena e eu em frente a minha casa (1984)
Átila e banda em frente ao lendário Chaplin Bar (Ricardão baterista aparece na esquerda e Satan, tecladista é o quarto da esquerda para a direita) - 1989
Átila em uma performance mais recente