Vejam essa: anteontem, passando pelo Park Shopping São Caetano, aqui na minha cidade, me deparo com uma feirinha de livros com preços promocionais, bem em frente à Livraria da Vila (inaugurada há pouco, surgiu no vácuo da Saraiva, que saiu da cidade, e está em situação financeira delicada). Não perco essas coisas nem se o Papa estiver me esperando na praça de alimentação. Despreocupadamente, acabei comprando um livro por 15 pilas, "Cantos Populares do Brasil", de Sylvio Romero, primeiro por que gostei da capa (design de Ana Dobón), segundo porque o tema folclore brasileiro sempre me interessa e terceiro porque esse nome do autor não me era estranho. Chegando em casa, fui pesquisar, claro. No próprio prefácio do autor ("Advertência"), há a explicação que essa coleção "Cantos Populares do Brasil" já estava pronta há seis anos, que a coleta dos cantos foi feita em Pernambuco, Sergipe, Rio de Janeiro, Bahia, Alagoas e em escritos de outros autores e que a obra se divide em quatro partes: "Romances e Xácaras", "Reinados e Cheganças", "Versos Gerais e "Orações", além de um apêndice de Carlos Koseritz com uma silva de Quadrinhas soltas do Rio Grande do Sul. O final dessa abertura é revelador: "Resta-nos apenas agradecer a todos aqueles que nos ajudaram nesta ímproba tarefa e, especialmente, aos senhores Theophilo Braga e Carrilho Videira, que tão brilhantemente se ofereceram para salvar das traças esta coleção, que foi repelida pelos livreiros e editores brasileiros com o mesmo horror com que se foge da peste". Aí no final o autor assina e bota a data: Rio de Janeiro, novembro de 1882. Só então me dei conta que estava com um livro na mão que teve sua origem lá no final do século XIX! Depois, folheando um pouco mais o volume, topei com uma ótima introdução de Theóphilo Braga (já citado), "Sobre a Poesia Popular do Brasil" e em seguida, enfim, com a seleção dos cantos/modinhas. A editora Principis fez um trabalho bacana de design e edição, mas tirando a orelha do livro, com um pequeno perfil do autor e um texto mínimo na última capa, contando que é um "(...), volume organizado por Sílvio Romero, um pesquisador e estudioso da nossa história. É um livro raro para todos os que se interessam pelos estudos folclóricos do Brasil.", não há pistas de que essa obra foi escrita há 140 anos ou mais - talvez para chamar a atenção de um público mais jovem. No pequeno perfil, fica-se sabendo que Sílvio Romero nasceu em Sergipe em 1851, fez Direito em Recife, radicou-se no Rio de Janeiro, onde fez sucesso como crítico literário, publicou seus dois primeiros livros em 1878, lançou anos mais tarde os famosos "Cantos Populares do Brasil", lançados em Portugal, foi membro do Academia Brasileira de Letras e faleceu em 1914. Nessa mini-bio há a confirmação de que "Cantos Populares do Brasil" era uma coleção (talvez em quatro partes, como se vê no volume completo) e que desafortunadamente, foi rejeitada - pelo menos sua primeira edição - no Brasil. Pelo que pesquisei, algumas edições posteriores de "Cantos Populares do Brasil" vieram em tomos (como na coleção Folclore Brasileiro, organizada por Câmara Cascudo e ilustrada por Santa Rosa).
Saindo um pouco do livro e pesquisando mais sobre o autor por aí, descobri que Sylvio Romero, nascido Sylvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (quando eu me refiro ao autor, coloco seu nome com y, que é como está em sua certidão. Mudar o nome das pessoas por causa de novas normas, pra mim não cabe. A Editora Principis decidiu tirar o y) foi (além de crítico), ensaísta, folclorista, professor e historiador da língua portuguesa, mas antes de tudo um grande polemista (e daí provavelmente escorraçado das rodas literárias mais requisitadas na época), justamente por não medir palavras para criticar a postura de boa parte dos escritores de sua época no Brasil, que evitavam focar seus escritos na realidade social do país, preferindo uma visão mais surreal e fantasiosa.
Por último, o nome. Encafifei que já conhecia o nome do autor e não é que eu estava certo? Aqui em São Caetano existe uma escola tradicional chamada EMEF Sylvio Romero e esse patrono que a batizou é o mesmo Sylvio Romero de "Cantos Populares" (no site da instituição há uma boa biografia dele, inclusive citando sua viagem à Portugal em 1883 para publicar o livro de folclore). No meu subconsciente esse nome ficou gravado desde os tempos de jogos interescolares dos anos 70, quando o meu time de escola jogou basquete e futebol com a turma do Sylvio Romero. A escola foi fundada em 1950.
Depois dessas pesquisas todas, faltava achar alguma capa do livro original e acabei achando em uma antiga página de leilão a segunda edição de 1897, pelo visto, finalmente publicada em solo brasileiro (vejam lá embaixo). A capa que chamou a minha atenção no shopping abre o post. E logo aqui embaixo tem um canto popular que achei bem bonito e transcrevo na íntegra. O organizador Sylvio Romero tomava o cuidado de colocar em cada canto ou modinha o seu local de origem e quem foi o pesquisador que o catalogou primeiro (no caso desta selecionada, foi o próprio). Palmas para ele. Depois deste post, vou procurar mais coisas sobre ele (aguardem).
Quando Eu Nessa Casa Entrei
(Sergipe)
Quando eu nesta casa entrei
Logo por ti perguntei;
Não me deram novas tuas,
Com vergonha não chorei.
Cadê a luz de meus olhos?
Cadê esta casa cheia,
Que ainda hoje não o vi
Nem na janta, nem na ceia?
Cada vez que considero,
Chego na janela e digo:
Alto céu, bonita luz,
Quem me dera estar contigo!
Em tempo: hoje liguei para a secretaria da escola e conversei com uma simpática funcionária sobre eu ter encontrado este livrinho há poucos quilômetros dali e sugeri que ela avisasse alguém ou ela mesmo fosse até a feirinha do shopping e adquirisse o "novo" livro do patrono da instituição. Será que foram? Espero que sim. Frase dela: "Puxa, que bacana. Mas é Sílvio com y, né?". Com certeza, caríssima, se depender de mim, com y até a eternidade.