"Eu posso estar em dúvida sobre tudo na minha vida. Mas quando estou aqui, só tenho certezas. É o meu lugar", afirma.
Com 30 anos de existência, trata-se da última videolocadora aberta na periferia da capital.
O desafio a cada mês é arrecadar o suficiente para manter o sonho vivo. Se sobrar algum dinheiro, ótimo. Se não, paciência. O importante é subir o portão de ferro e ficar atrás do balcão todos os dias para falar sobre seu acervo 15 mil DVDs e 6.000 VHS.
A meta é chegar a R$ 3.000 para pagar o aluguel, além das contas de luz e água. A média do número de locações por mês é de 15. Cada uma custa R$ 8, com direito de ficar com o filme por dez dias. São R$ 120 no total.
A dificuldade financeira não deixa de ser ironia para alguém que é economista, administrador de empresas e técnico em contabilidade.
"Antes, eu era funcionário de empresas, mexia com o dinheiro dos outros e era bom nisso. O problema é administrar o meu."
A locadora é um símbolo. Ela continua aberta porque Petruche sempre arruma novas maneiras de criar receitas. Vai a feiras e eventos para cinéfilos ou gamers. Converte VHS (e os limpa, se necessário) para DVD.
Realiza mostras de curta metragens, shows de comédia stand up e, há nove anos, recebe grupos de rock, MPB e jazz para apresentações que já reuniram cerca de 400 pessoas em um espaço em que só com esforço mental dá para imaginar que caibam mais de 100.
No próximo mês vai acontecer a 94ª edição do festival Idade da Terra em Transe. O nome é referência a Idade da Terra e Terra em Transe, dois filmes de Glauber Rocha, o cineasta favorito de Petruche.
Em eventos, as pessoas sempre compram algo na loja. Ele também vende cervejas, refrigerantes e comida.
Deus e o Diabo na Terra do Sol, outro longa-metragem de Glauber, é o favorito do dono da Charada. Petruche afirma que seu jeito improvisado e caótico de administrar a locadora e as próprias finanças é "glauberiana".
Toda sua vida como empreendedor no ramo de filmes aconteceu dessa forma. Quando quis abrir a loja, na década de 1990, e percebeu que o Sebrae não tinha muitos conselhos a lhe dar, decidiu descobrir por si mesmo. Viu um anúncio de emprego em que uma distribuidora procurava vendedor para oferecer filmes europeus a locadoras.
Parecia perfeito. Ele ganharia comissão, conheceria o mercado por dentro e trabalharia com cinema do Velho Continente, algo que adora. Quando chegou à entrevista, viu que eram produções da Europa, sim. Mas pornôs. Foi contratado.
Rejeitou oferta do irmão para abrir a locadora na Mooca (zona leste) porque queria em Sapopemba. Desejava tentar em um bairro de periferia. Difícil foi convencer o dono do imóvel a aceitar fazer o contrato de aluguel. Ele recusou quando ouviu como o imóvel seria usado.
"Vai ser uma locadora diferente. Vou trabalhar com filmes brasileiros, argentinos, uruguaios...", explicou.
Ele se lembra do proprietário arregalar os olhos com a perspectiva de calote: "Agora é que não vou alugar mesmo!", ouviu. Mas alugou e a Charada funciona no mesmo endereço desde a inauguração, em 1995.
Não existe um número oficial sobre o número de videolocadoras ainda abertas na cidade de São Paulo. O sindicato da categoria não existe mais. Petruche diz que são apenas quatro porque os proprietários costumam conversar, falam sobre isso em eventos, vídeos e podcasts e nunca nenhum outro comerciante do ramo se apresentou.
Até 2014, tudo funcionou bem. Sempre entrou mais dinheiro do que saiu. Em um final de semana (sexta, sábado e domingo) conseguia o dinheiro para pagar o aluguel. O restante deveria servir para fazer caixa. Mas para justificar a explicação de que administra melhor o dinheiro dos outros do que o próprio, ele reinvestia tudo na compra de novos filmes. Adquiria praticamente todos. Sempre odiou dizer para um cliente que o VHS ou DVD desejado estava alugado.
Quando saiu Titanic, encomendou 55 cópias. Lembra-se de as pessoas fazerem fila na porta. Era um tempo em que ele alugava 500 filmes por dia e, se o número caía para 350, começava a questionar se havia algo errado. Seu recorde foi 890.
Com o tempo, Petruche, assim como todo o mercado, foi engolido pelos serviços de streaming e downloads pela internet. Quando abriu a Charada, diz que existiam 20 outras videolocadoras no raio de um quilômetro. Hoje, está só.
"Não tenho nada de especial aqui. As paredes [do lado de fora] são pichadas e decidi que não ia pintar porque, se gastasse dinheiro com isso, deixaria de comprar filmes. Eu só sou uma pessoa que está resistindo", resume.
Um documentário ("Rebobinando Memórias" é o título provisório) está sendo feito sobre Petruche. O canal "Rinha de Cinéfilo" fez dele um dos seus personagens principais no Instagram e no TikTok. Quase todas as semanas estudantes de cinema ou colecionadores o procuram.
"Eu faço eventos para pagar as contas. Sinto muita pena de vender meus filmes. Eu não gosto de vender. Vendo porque preciso pagar aluguel", diz, em mais uma declaração rara para um comerciante, economista e administrador.
Ficar conhecido, mesmo que seja no seu nicho, causa-lhe sentimentos conflitantes. É o que ajuda a manter seu sonho funcionando e o faz ganhar dinheiro. Mas incomoda.
"Fico pensando como vou manter isso. Eu tenho um monte de problema, preciso fazer cirurgia [de catarata] e já tenho quase 70 anos. Eu às vezes questiono se está valendo a pena. Só que eu chego aqui [na loja] e mudo de ideia. Por isso que não passa pela minha cabeça fechar."
"Eu faço eventos de música, eventos de stand up, estou em documentários, rede social, tem gente que vem aqui e me chama de lenda. Tudo isso é para conseguir recursos para a Charada. Porque a única coisa que eu quero na minha vida é ser dono de videolocadora."