Essa eu soube só agora, enquanto pesquisava sobre a lady crazy Grace Slick e seu Jefferson Airplane. A banda mais "ácida" do rock ( ao lado do Grateful Dead) tocou no alto de um prédio um mes antes da famosa apresentação dos Beatles no topo da Apple em janeiro de 1969. Essa performance pioneira teve seu germe no mergulho anterior do cineasta Jean-Luc Godard ao universo dos Rolling Stones ( One Plus One ou Simpathy For The Devil, de 1968, com cenas do grupo em estúdio e da cena roqueira britânica mescladas à manifestações políticas e flagrantes sociais que explodiam naquele pós-verão do amor 67). Godard, viajou em seguida para os EUA, ao encontro de seu amigo D.A. Pennebaker, documentarista famoso por cobrir comícios políticos desde os anos 50 - entre eles, de Martin Luther King -, mas principalmente por filmar shows antológicos do rock americano ( quase sempre ao lado de Chris Hegedus), incluindo a turnê aclamada do jovem Bob Dylan pela Inglaterra em 1965 ( "Don't Look Back") e a fantástica cobertura ao Monterey Pop Festival em 1967 ( "Monterey Pop" de 1968, com performances dilacerantes de Ottis Redding, Janis Joplin, Jimi Hendrix, entre outros). Godard e Pennebaker articularam então uma sequência natural de One Plus One em solo americano e logo, por sugestão de D.A, foi escolhida a banda ideal para o projeto: a inflamada e carismática Jefferson Airplane, que o diretor conheceu nas filmagens do Monterey Festival e que transbordava psicodelia, política e transgressão, trinca intrínseca ao projeto que nascia.
A ideia fermentada pela dupla ia além das colagens bombásticas da película britânica, e no bater de martelo, decidiu-se pela realização de um show surpresa, sem nenhuma estrutura ou conforto, sem permissão das autoridades, num local inusitado e de difícil acesso e que só terminasse com a chegada inevitável dos "meganhas fardados". Claro que o J.A. encampou o projeto ( a vocalista Grace Slick principalmente, adorava quebrar regras e suas performances e prisões subsequentes na carreira comprovariam essa tendência) e em poucos dias lá estava, com um equipamento bem econômico e montado num estalar de dedos, no telhado ( ou lage) do Hotel Schuyler, de 9 andares, na esquina da 40 West com a Five Street, no centro nervoso de Manhattan, New York City. Godard e Pennebaker instalaram-se com suas câmeras em pontos estratégicos em imóveis vizinhos. Nem bem o som alto e psicodélico da banda invadiu as frestas e janelas das redondezas, a polícia já era acionada por cidadãos indignados e atônitos diante daquela insólita performance que a maioria sequer previa de onde vinha. A banda atiçava ainda mais o caos instalado. Hippies se uniram ao palco improvisado. Sabia-se que a intervenção das autoridades seria imediata, mas a rapidez com que a polícia chegou ao terraço foi além das expectativas. Os cinegrafistas conseguiram filmar uma música apenas, "House at Pooneil Corners", mas esse trecho relâmpago filmado acabou se antecipando em pouco mais de um mês à famosa apresentação dos Fab Four: essa caótica performance do Jefferson Airplane se deu em 07 de dezembro de 1968, enquanto o show no telhado da Apple aconteceu em 30/01/1969. Godard já tinha batizado esse projeto de "One AM" ( One American Movie) visando confluir essas cenas do telhado com os movimentos políticos americanos da época, preferencialmente os Panteras Negras, numa intersecção com o que acontecia na efervescente Paris dos estudantes. Mas quando percebeu que essa relação estava difusa e até forçada, largou o projeto nas mãos de Pennebaker, que ao contrário do colega, insistiu em produzi-lo e acabou lançando finalmente o filme comercialmente em 1972, com o nome "One PM" ( One Perfect Movie, num genial trocadilho com o método padrão americano de dividir as horas em período - AM-PM). No início desse século (2004) virou DVD com o título "Fly Jefferson Airplane". Eu não assisti esse DVD mas fico imaginando que o diretor utilizou várias cenas externas e colagens para complementar esse show relâmpago - talvez até tenha resgatado depoimentos dos integrantes. Na filmagem original que circula no Youtube ( link abaixo), o filme chega aos 8 :17 - pouco mais de 6 minutos de música e 2 minutos entre a chegada da polícia e o tumulto na rua ( incluindo a aparição dos próprios cinegrafistas). Nas imagens o impacto, a agitação e o tumulto estão bem mais presentes que na famosa apresentação dos Beatles, até hoje erroneamente compartilhada como pioneira, e que foi considerada rápida em seus 42 minutos cravados - imaginem essa do Jefferson Airplane! Mas valeu como contestação e como performance original, inédita e emblemática, mesmo que por poucos minutos.
Jefferson Airplane nas alturas: https://www.youtube.com/watch?v=rx_08cambjA
Beatles nas alturas: https://www.youtube.com/watch?v=T43dMskYCXM
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