2 de setembro de 2021

Pelão (1943-2021)


Fiquei sabendo da morte do Pelão (João Carlos Botezelli - ), aos 78 anos de idade, por uma postagem do Gonçalo Jr., que o entrevistou o ano passado para seu livro sobre o Jacob do Bandolim. Na entrevista, ele viu pessoalmente o estado delicado de saúde de Pelão, que estava praticamente em uma UTI dentro de sua casa (e mesmo assim, conversou com ele por horas, acendendo um cigarro atrás do outro). Em 2011, tive a honra de conhecê-lo, quando fui ao seu apartamento com um amigo, o jornalista Marcelo Mazuras, para uma entrevista sobre seus projetos dentro da gravadora Marcus Pereira. Foi uma conversa agradável, franca e muito produtiva, com muito café, fumaça (eu tinha parado de fumar, mas o Mazuras e ele fumavam um atrás do outro) e acessos de tosse da parte do Pelão que me deixaram preocupados com sua saúde na época. Infelizmente o projeto - que era sobre a gravadora Marcus Pereira - não vingou e essa gravação com o Pelão acabou extraviando. Ainda assim, consegui passar para o papel na época o comecinho dessa conversa. Transcrevo esse trecho na íntegra, abaixo, para a posteridade. Um salve ao Pelão, um dos mais autênticos produtores musicais que esse nosso Brasil viu, responsável por muita gente boa gravar o primeiro LP (Cartola, Adoniran entre eles), por gravações antológicas na Marcus Pereira e outras façanhas mais.

MMass- Você fez trabalhos essenciais na gravadora Marcus Pereira, até hoje lembrados, a começar pelo disco do Cartola.
Pelão - Eu trabalhei o tempo suficiente na Marcus Pereira, que deu pra fazer alguns trabalhos. Deixei muitos projetos lá, que infelizmente não souberam fazer.
MMass- Da série de discos regionais da gravadora, você chegou a colaborar em quase todos?
Pelão – Alguns. Mapeamento fiz só o Centro-Oeste e o Sudeste, que fui produzir junto com o Theo (Nota: Theo de Barros, compositor e violonista, coautor de Disparada junto com Geraldo Vandré). Foi o Theo que me indicou. A minha parte, eu escolhia, fazia, e não tinha “não”. Pegava o carro – um Fusquinha – e saía por aí, com o gravador...
MMass – Como era a gravação em si? Era in loco?
MMaz – ...gravava na raça mesmo? Chegava lá na casa do violeiro, “toca aí”, “vambora”?...
Pelão – O melhor gravador que tinha na época era um Werzinho, mono. O Wer era legal porque foi um gravador de guerra, né? Servia pra dar porrada nos outros...
MMass – rs...guerra mesmo!
MMaz – rs...por causa do peso dele?
Pelão – O peso, o corpo pra proteger ele...então era legal pra externa.
MMass –Na linha de frente de batalha era você...e quem mais na equipe nessa época do mapeamento?
Pelão – Externa era eu...
MMass – O Theo não ia junto?
Pelão – Não, ele só emprestava o Fusquinha.
MMaz – E você gravava no interior das casas dos caras?
Pelão – Podia ser na casa ou em campo aberto mesmo. Na casa dos caras a gente pendurava os cobertores na parede pra não “bater” o som. Pra tentar fazer uma coisa melhor. O importante era registrar aquilo.
MMaz – E quem achava esse pessoal, aquele que dava as coordenadas: “tem um fulano ali, na cidade tal...”.
Pelão – Teve alguns que fui eu que descobri, porque fui atrás de um e achei outro. Às vezes falavam que não tinha ninguém na região. Eu insistia que tinha. Procurava as pessoas que eu conhecia na cidade que eram importantes, que conheciam o folclore, as músicas regionais. E como eu tinha sido da TV Tupi, isso sempre ajudava. O sujeito já conhecia ou tinha ouvido falar...
MMass – E nessas gravações vieram artistas mais conhecidos como o Renato Teixeira, né?
Pelão – Isso já foi em estúdio. O Renato tem aquela pesquisa do Chico Noca. Ele ia muito pra Ubatuba e conhecia o Chico Noca. Foi um projeto fantástico que deu um pouco de trabalho. Eu fui lá, gravei, trouxe a gravação e o Theo acrescentou o instrumental em cima. Ficou lindo. Leve. Só o Theo sabe fazer isso – é brasileiro pra cacete. Sem roubar nada.
MMaz – Então você ia lá, com o gravador de guerra, capturava os instrumentos...geralmente era o cara sozinho tocando ou ele trazia o pessoal dele?
Pelão – Eles sempre traziam os agregados. Eu gravei uma catira, que captei em Nova Odessa, que o João Biarini, que era um grande pesquisador – companheiro de Partido Comunista – falou; ‘Vai embora que aqui não tem catira nenhuma”. E eu sabia que tinha, mas não ia brigar com o cara. “Tá legal, João, obrigado”. E eu descobri um grupo de catireiro fantástico! E eu gravei os caras na casa deles. Nessa ocasião eu não tinha auto falante, só fones de ouvido, e o grupo de catira tinha doze pessoas, mais o pessoal lá fora, e eu tinha que pegar o canto deles e o sapateado. No fim deu tudo direitinho. O duro é que no fim todo mundo o queria escutar uma vez ou duas. Eu falava: “Não pode. Se eu passar mais uma vez, apaga”. Aí explicava o contrato, eles assinavam pra receber...tudo direitinho e documentado.

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