22 de junho de 2014
Dois poetas em carne viva e à flor da pele
Estou lendo simultaneamente dois livros com dois poetas que foram contemporâneos, amigos, e que ajudaram a moldar o movimento que ficou conhecido como Tropicalismo. Ambos poetas em carne viva/à flor da pele. Os poetas são Torquato Neto, piauiense e figura de proa da Tropicália ( ele não gostava de "ismos") e Waly Salomão, baiano de Jequié que se enturmou com os tropicalistas ainda em 1968 mas só viu seu trabalho lançado no começo da década seguinte em parceria com Jards Macalé, em um caminho pós-tropicalista. Quanto às obras que estou devorando, uma é a biografia reeditada agora pelo Toninho Vaz, que eu já havia assoprado em um post anterior ("A Biografia de Torquato Neto" - Editora Nossa Cultura) e a outra é uma antologia da obra de Waly Salomão, "Poesia Total", que saiu do forno pela Companhia das Letras. O primeiro livro traz a escrita elegante de Toninho Vaz, um especialista no gênero e mais um autor que penou nas últimas batalhas contra as biografias - a reedição de "O Bandido que Sabia Latim", biografia de Paulo Leminski, seu amigo, foi barrada pela família por causa de um capítulo adicionado. Em minuciosa pesquisa, Vaz destrincha a vida do perplexo poeta que não lançou livro algum em vida e tanto podia ser dândi como vagabundo, boêmio ou jornalista que varava madrugadas escrevendo, revolucionário de idéias e fãzaço de Chacrinha. E tenta desvendar a complexidade de seu comportamento e psique, que o fez acabar com a própria vida aos 28 anos. Já "Poesia Total" reúne pela primeira vez toda a obra de Waly Salomão, desde seu livro "Me Segura que eu vou dar um troço" de 1972 até suas experimentações multiconcretistas no final da vida (Waly faleceu em 2003 aos 59 anos), além de uma seção de canções inéditas em livro e um apêndice com os textos mais relevantes sobre sua obra. Um livraço com 550 páginas que finalmente joga luz sobre a importante obra de Waly Salomão. Aliás, tanto ele como Torquato foram um dos grandes responsáveis pela entrada da legítima poesia ao universo cancioneiro. Se antes haviam letristas apenas, depois desses dois, e do pioneiro Vinicius de Moraes, claro, e outros contemporâneos como Capinam, os poetas se sentiram mais à vontade para encaixar suas letras em músicas. E vale lembrar, que embora Torquato tenha se afastado dos baianos antes mesmo da foice do AI-5 passar pelas cabeças culturais do período, indo para a Europa com Helio Oiticica, e Waly produzir já com a cabeça no "pós aquilo tudo", ambos iriam arquitetar a revista Navilouca ainda em 1972, um dos mais essenciais e cultuados veículos literários da época.Torquato deu o último retoque antes de morrer, mas a revista tipo almanaque, com 16 poetas no bojo e disquinho com duas músicas, só saiu em 1974. Último suspiro criativo de Torquato, com a produção do sempre surpreendente Waly Salomão.
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