8 de junho de 2015

Dos Arquivos Originais de Rick Berlitz: VAIA, VIOLÃO, ESTROFE, REDENÇÃO

Meu confrade Rick Berlitz, parceiro musical e comparsa de boas coisas desde os anos 80, me apareceu com uma descoberta absolutamente crucial e eu a achei tão imprescindível que aproveitei para abrir mais uma série aqui no blog: "Dos Arquivos Originais de...". O compositor Sérgio Ricardo já tinha aparecido em um post no Almanaque do Malu uns tempos atrás ( devidamente linkado no texto do Rick) mas agora, nessa escavação à importante publicação sessentista InTerValo, da Editora Abril - uma das revistas que mais mergulharam no comportamento cultural e midiático da época - , o compositor ressurge um ano depois da famosa "violada", em um momento de redenção pouco documentado até agora. 


VAIA, VIOLÃO, ESTROFE, REDENÇÃO

(Rick Berlitz) 

Crédito: página da revista InTerValo de 09/11/1968 ( Editora Abril)

Alguns achados nas gavetas. Mas nada de novo no fronte. Tudo o que já sabemos – e se não sabemos, recorremos aos livros, ao Google, etc. Ponto.
 O cantorcompositor, diretor de cinema e ator, na foto acima com o livro de Léo Gilson Ribeiro - Cronistas do absurdo - Kafka, Buchner, Brecht, Ionesco, é Sérgio Ricardo, nome artístico de João Lutfi, nascido em Marília, no interior de São Paulo, em 18 de junho de 1932. Compôs Deus e o diabo na terra do sol”, trilha do filme homônimo do (igualmente genial) cineasta baiano Glauber Rocha.
A foto é da semanal (há muito extinta) revista InTerValo, da Editora Abril, em sua edição de 3 a 9 de novembro de 1968. 

Destacava em uma de suas matérias a briga de Sérgio Ricardo com a justiça para liberar “Dia da Graça”, finalista do IV Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record - a música substituída seria “Rojão da Canoa”, de Carlos Castilho e Vitor Martins.
 Um ano antes, no II Festival de Música Popular Brasileira, Sérgio Ricardo foi sumariamente vaiado pelo público ao tentar entoar "Beto Bom de Bola", uma homenagem ao ídolo Mané Garrincha, que já vivia no ostracismo, em 1967. A plateia, impiedosa, não deixou o músico chegar ao fim da canção: tentou, gritou, quebrou seu violão no palco e, num ato antológico, atirou-o no público. Virou notícia na imprensa brasileira e internacional. Esta e outras passagens estão documentadas, e relatadas pelo próprio Sérgio Ricardo, em "Quem Quebrou meu Violão”.
Para saber mais, leia Aqui sobre “um certo violão vilão que violou vaias”.

“Quando bate a nostalgia
bate noite escura
mãos no bolso e a cabeça
baixa, sem procura
Beto vai chutando pedra
cheio de amargura
num terreno tão baldio
o quanto a vida é dura
onde outrora foi seu campo
de uma aurora pura.
Chão batido, pé descalço
mas sem desventura.
Contusão, esquecimento
glória não perdura.
Mas, se por um lado o bem se acaba,
o mal também tem cura”.

“Dia da Graça” foi parcialmente censurada pelo governo militar. Durante a execução, o cantor permaneceu em silêncio nas estrofes proibidas. A redenção de Sérgio Ricardo foi a remissão dos erros do público, que cantava parte dos versos censurados:  “Faz um dia claro e eu saí pela rua / Pra ver a cidade diferente / da normalidade / Nenhum militar de arma em punho”.  “Dia da Graça” foi interpretada por Sérgio Ricardo e o Modern Tropical Quintet. Ficou com o quinto lugar. O Festival tinha dois júris: um Oficial e outro Popular, este com participação dos leitores da InTerValo, que publicava cupons semanais para o público escolher as finalistas. 
Das mais de 1.000 músicas inscritas no IV Festival de Música Popular Brasileira, apenas 36 foram selecionadas para as eliminatórias, entre elas: 2.001 (Rita Lee Jones/Tom Zé), com Os Mutantes; A Grande Ausente, (Francis Hime/Paulo Cesar Pinheiro), com Taiguara; Madrasta (Renato Teixeira/Beto Ruschel), com Roberto Carlos; Bonita (Hilton Acioly/Geraldo Vandré), com Trio Marayá; Cajueiro Velho (Luiz Roberto Oliveira/Milton Eric Nepomuceno), com Eduardo Conde; Descampado Verde (Maranhão), com Maranhão e MPB-4, e Dia da Graça (Sérgio Ricardo), com Sérgio Ricardo e Modern Tropical Quintet.

Classificação final do Júri Oficial:
1º lugar: SÃO SÃO PAULO, MEU AMOR (Tom Zé), com Tom Zé
2º lugar: MEMÓRIAS de MARTA SARÉ (Edu Lobo/Gianfrancesco Guarnieri), com Edu Lobo e Marília Medalha
3º lugar: DIVINO, MARAVILHOSO (Gilberto Gil/Caetano Veloso), com Gal Costa, Ivete e Arlete
4º lugar: 2.001 (Rita Lee/Tom Zé), com Os Mutantes
5º lugar: DIA DE GRAÇA (Sérgio Ricardo), com Sérgio Ricardo e Modern Tropical Quintet
6º lugar: BENVINDA (Chico Buarque) Chico Buarque e MPB-4

Classificação final do Júri Popular:
1º lugar: BENVINDA (Chico Buarque), Chico Buarque e MPB-4
2º lugar: MEMÓRIAS de MARTA SARÉ (Edu Lobo/Gianfrancesco Guarnieri), com Edu Lobo e Marília Medalha
3º lugar: A FAMÍLIA (Chico Anísio/Ari Toledo), com Jair Rodrigues e Golden Boys
4º lugar: BONITA (Geraldo Vandré/Hilton Accioly) com Trio Marayá
5º lugar: SÃO SÃO PAULO, MEU AMOR (Tom Zé), com Tom Zé
6º lugar: A GRANDE AUSENTE (Francis Hime/Paulo César Pinheiro), com Taiguara

Prêmio de Melhor Intérprete Masculino: JAIR RODRIGUES (Júri Popular)
Prêmio de Melhor Intérprete Feminino: ELZA SOARES (Júri Oficial)
Prêmio para Melhor Letra: 2.001 (Rita Lee/Tom Zé)
Prêmio para Melhor Arranjo: Edu Lobo por MEMÓRIAS DE MARTA SARÉ


Sobre Vandré – Nesta mesma edição, a InTerValo anunciava que o cantor e compositor paraibano “cobrou cachê considerado excessivo pela direção da emissora (TV Record)”. Bonita, em parceira com Hilton Accyoli, foi interpretada pelo Trio Marayá, de que Accyoli era um dos integrantes.

Em 13 de dezembro de 1968 foi decretado o AI-5. O resto é história. Tudo o que já sabemos. Fim.


Nenhum comentário:

Postar um comentário