1 de março de 2010

Tutti Frutti na linha de frente do Rock 70

Nos obscuros anos 70, bandas de rock surgiam aos borbotões no Brasil, mas assim como vinham à tona, submergiam sem deixar vestígios. A ditadura e seus tentáculos, afundavam o rock no underground com a pecha de "música marginal". Paralelamente ao preconceito oficial, a própria postura dos envolvidos, que não queriam "se vender ao sistema", faziam com que todo roqueiro brasileiro tivesse mesmo cara de bandido, como bem frisou Rita Lee em feliz achado que logo tratou de musicar ( "todo roqueiro brasileiro tem cara de bandido", na música Orra Meu, 1980). Se a maioria, ao centrar forças no hard ou no progressivo, não aparecia para o grande público, algumas poucas bandas conseguiram furar o bloqueio, caso do O Terço, Os Mutantes e Rita Lee & Tutti Frutti. Outras como O Som Nosso de Cada Dia, Made in Brazil, Bolha, Casa das Máquinas, O Peso, viraram cults, mais pelos fãs fiéis e momentos isolados na carreira que propriamente pelo êxito comercial. O Terço era progressivo por essência, mas casava muito bem a excelente instrumentação com letras viajantes e um pé na vida hippie. Depois do auge entre 1973 e 1977, passou por várias fases e gêneros e resiste até hoje, sob a batuta do fundador Sérgio Hinds. Já os Mutantes, após o estouro nos anos 60 e alguns sucesso iniciais nos 70 ( Top Top, Balada do Louco...), fincaram bandeira no progressivão a partir de 1973, ano em que Rita Lee foi "despachada" pelos rapazes. A banda não se encontrou mais com o sucesso, viu Arnaldo Batista sair logo em seguida e embora continuasse lotando os shows, acabou em 1978, após várias mudanças, sob os ombros cansados do insistente Sérgio Dias. Rita Lee, depois de uma frustrada dupla com Lucia Turnbull (Cilibrinas do Éden), que participou do show coletivo Phono 73 e fez um disco inteiro não lançado pela gravadora Philips, formou o Tutti Frutti ao lado da própria Lucia (vocal e guitarra), e integrantes do grupo Lisergia, Luis Sergio Carlini (guitarra solo), Lee Marcucci (baixo – ele mesmo, fundador do oitentista Rádio-Táxi) e Emílson Colantonio, bateria. Lançaram em 1974 o LP Atrás do Porto tem uma Cidade, primeiro disco oficial de Rita Lee longe do Mutantes – seus dois primeiros solos não contam aqui porque foram gravados com a sua banda anterior ( Build Up em 1970 e Hoje é o Primeiro Dia do Resto da sua Vida, 1972). O disco, muito criticado, não revelou toda a explosão que a banda mostrava ao vivo, mas trouxe dois sucessos, Menino Bonito e Mamãe Natureza ( esta, uma versão remodelada dos tempos das Cilibrinas) e revelou a sinergia de Lucia e Rita, letras irreverentes e bem tramadas ( sempre de Rita), a espaçosa guitarra de Luis Sérgio Carlini e a cozinha segura (a bateria em estúdio, foi revezada por Mamão e Paulinho). Na capa, por imposição da gravadora, a nova banda surgia como Rita Lee & Tutti Frutti ( logotipo que apareceria nos próximos discos também). Neste primeiro lançamento, já ficava claro o direcionamento musical do grupo, sem resquícios do progressivo que flanava sobre seus contemporâneos: um rock bem urdido, com temperos de blues, Stones , Faces e a postura glitter de Bowie e T-Rex.
Lucia Turnbull, primeira guitarrista do rock brasileiro, saiu pouco depois do lançamento, após desentendimentos com o produtor Mazola, e perdeu a chance de participar de um dos melhores discos de rock tupiniquim dos anos 70, Fruto Proibido, de 1975, pela Som Livre. O grupo, embora tenha ficado com uma só guitarra, arregimentou um pianista ( Guilherme S. Bueno, só no estúdio), um tecladista (Paulo Maurício) e backing vocals ( os irmãos Rubens e Gilberto Nardo), fixou um batera ( Franklin Paolillo) e chamou o multi-instrumentista Manito, ex-Incríveis e ex-Mutantes ( onde ficou por pouco tempo no lugar de Arnaldo Baptista), na época no Som Nosso de Cada Dia, para tocar sax, flauta e órgão em algumas faixas.
O resultado foi além das expectativas. Rita Lee encorpou mais seus vocais (puxados para o grave), dimensionou suas composições ( três com Paulo Coelho, uma com Luis Sérgio, outra com Lee, além de quatro só com a sua assinatura) e se desgarrou do passado mutante. Carlini se consagrou neste disco, em várias passagens, mas principalmente pelo seu solo em Ovelha Negra, inspiradíssimo e inspirador. O LP vendeu bem e rendeu pelo menos três grandes sucessos: Agora Só Falta Você, Esse Tal de Roque Enrow e Ovelha Negra. Antes de engatar o terceiro disco, Entradas e Bandeiras (1976), a banda cravou uma ótima música na trilha sonora da novela O Grito, Lá Vou Eu (saída de um compacto duplo e creditada só para Rita Lee), uma balada rock com a cidade de São Paulo ao fundo, gravada depois por Zélia Duncan. O terceiro disco veio em um ano conturbado para o grupo. Rita ficou estafada ao longo do primeiro semestre, as gravações se arrastaram e quando finalmente ficou pronto, decepcionou público e crítica ( e o prório Tutti Frutti). Além de não gerar nenhum hit, as mixagens deixaram o LP sem “viço”, pasteurizado e empastelado. Carlini e banda continuavam honrando os instrumentos (o batera agora era Sergio Della Monica), mas a gravação não ajudou. O engraçado é que o técnico de gravação era Luis Cláudio Baptista, irmão mais velho dos mutantes Arnaldo e Serginho, considerado um mago da sonoplastia e acústica, exercendo a mesma função no aclamado disco anterior. O que pode ter interferido no resultado é a co-participação de outros dois técnicos, acho eu. Entre estafas e estofos, ainda deu pra salvar alguns momentos, como a pungente Coisas da Vida ( um dos melhores momentos de Rita) e Bruxa Amarela, uma versão com letra totalmente remodelada da censurada Check-Up (Raul Seixas- Paulo Coelho). 1976 não daria só estafa à Rita, mas também uma prisão, um marido e uma gravidez! Conheceu o instrumentista Roberto de Carvalho, da banda de Ney Matogrosso ainda na estafa, engravidou logo em seguida e em agosto, teve sua casa invadida pela polícia, que flagrou-a com posse de maconha e decretou sua prisão. Rita ficou uma semana no Deic, um mês no hipódromo feminino e um ano em prisão domiciliar.
Sem poder excursionar pelo resto do ano, a banda se preparou para as próximas gravações e no início de 1977 soltou no mercado o compacto de maior vendagem em sua história: Arrombou a Festa , mais uma parceria de Rita Lee e Paulo Coelho, feita ainda na prisão, e que avacalhava com muita perspicácia a apática MPB do final daquela década. O LP do ano foi ao vivo e em parceria com Gilberto Gil e sua banda Refavela (que tinha entre seus membros, Lucia Turnbull), Refestança ( Som Livre – 1977). Claro que o hino do disco foi a velha É Proibido Fumar – além de Rita, Gil também tinha virado bode expiatório no ano anterior com sua prisão por posse de maconha.
O Tutti Frutti neste período já incluía Roberto de Carvalho nos teclados e foi com ele e seus arranjos que o grupo lançou um estouro em vendas, o long-play Babilônia, com os hits Babilônia e Miss Brasil 2000. Mas junto com os holofotes do sucesso, veio a ruptura. O fundador Luis Sergio Carlini, que havia semeado na Pompéia o germe da futura Tutti Frutti, ao lado de Emilson e Marcucci em bandas como Coqueiro Verde e Lisergia no início dos 70, se sentia no final da década totalmente deslocado. E acabou ‘sartando’ fora, deixando Rita, Marcucci & Cia, mas levando no bolso o nome Tutti Frutti. Vale lembrar que Babilônia foi o primeiro disco da banda com destaque na capa apenas para o nome de Rita Lee. Rita & Roberto seguiram em sua lua-de-mel musical pelos anos seguintes, colecionando hits pops, como todo mundo já sabe. O Tutti Frutti recomeçou do zero, com Carlini recrutando seu velho amigo Simbas no vocal ( ex-Casa das Máquinas), Juba na bateria ( que logo depois pulou para a Blitz) e Renato Figueiredo no baixo. Mas o entusiasmo inicial, que incluía novíssimas músicas e gravadora nova (Capitol), logo virou novela dramática, quando uma música retida na censura atrasou o lançamento do disco e acabou desfazendo o contrato fonográfico, depois de um compacto sem grandes conseqüências no início de 1979. Com novo baterista, Marinho Thomaz, a banda finalmente lança em 1980 seu LP, Você Sabe qual o Melhor Remédio, pela RCA, mas promessas vãs de um outro disco e dificuldades diversas no prosseguimento da carreira fizeram com que o antológico Tutti Frutti encerrasse suas atividades em 1981. Por esse disco derradeiro dá pra perceber o quanto Carlini continuava craque. O novo século viu um retorno do Tutti Frutti pelas mãos do incansável Luis Sérgio Carlini e ele vem mantendo um boa média de shows pelo país. Vale a pena ver um ícone da guitarra no Brasil. Um cara que levantou e segurou por anos a fio a bandeira do rock nos esquisitos anos 70, tempos de uma ditadura criminosa que taxava de criminoso e bandido quem impunhava uma guitarra.
(Valeu, Almir, eis o Tutti aqui)
Seguem alguns grandes momentos do Tutti Frutti:
*SuperStafa (1976) - http://www.youtube.com/watch?v=Ue5fxQfTb70&feature=PlayList&p=C79ACE944CA3396B&playnext=1&playnext_from=PL&index=34
*Ovelha Negra (clipe do Fantástico- 1975) - http://www.youtube.com/watch?v=pJ4FMFPIf40&feature=PlayList&p=C79ACE944CA3396B&playnext=1&playnext_from=PL&index=33
* Splish Splash (ao vivo 1975) - http://www.youtube.com/watch?v=ORiIlPKMgts
* Sem Cerimônia ( ao vivo no 1ºHollywood Rock ) - http://www.youtube.com/watch?v=2fgixlMFkNg&feature=related
* Mamãe Natureza ( ao vivo no Teatro Bandeirantes -1974 ) - http://www.youtube.com/watch?v=X0wI1aVP69E&feature=related
* De pés no Chão ( ao vivo no Teatro Bandeirantes -1974) - http://www.youtube.com/watch?v=eWIdcXCXkOM&feature=related

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