28 de novembro de 2014

Paul em Sampa (25/11/2014)

Como eu comentei com meu amigo Henrique , "Depois de ver ao vivo os Rolling Stones duas vezes, e agora, assistir a um beatle live - já posso me sentir realizado no quesito shows". Com todo respeito às outras bandas e músicos que admiro - mas Stones/Beatles pra mim estão na “estrato” - muito além da atmosfera comum da música. E Paul McCartney, que eu já venerava como compositor/ instrumentista/cantor, mostrou que é realmente um profissional além das expectativas e um cara naturalmente generoso. Valeu toda a saga que eu, minha mulher e os rebentos passamos até sentar na cadeira e assistir um dos maiores shows de nossas vidas. Pegamos a fila na terça-feira 25 já dando quase a volta completa no recém inaugurado Alianz Parque, e não era ainda 16:30 h. O céu estava escurecendo, mas a chuva só veio castigar a gente duas horas depois, e aí dá-lhe capa de chuva ( que eu consegui por R$5,00 dois minutos antes do toró - com a chuva inflacionou pra R$20,00), e resignação para aguentar água intermitente na cara e bota encharcada pesando uns 10 quilos no pé. O que ocorreu foi que a produção externa do show, depois do dilúvio, perdeu totalmente o fio da meada e a fila gigante que seguia uma certa lógica e divisão antes, acabou entrando na onda (literalmente) e virou um grosso bloco rumo aos portões, graças às fileiras que se misturavam e aos furões que iam engrossando a massa compacta. Outro agravante é que os portões só abriram depois das 18h30h, quando todo mundo já estava com água até no cérebro. Mas tudo pelo Macca! adentramos o estádio sãos e salvos perto das 19 horas e aí foi só aguardar o grande momento, marcado para as 21 horas. No estádio, a produção dava conta e tudo estava muito tranquilo, apesar da lotação ( e sem chuva na cabeça, graças à cobertura). 

Sir Paul só apareceu às 21:45h, mas foi logo tascando um clássico beatle, “Eight Days a Week” (do álbum Beatles for Sale, de 1964), pra mandar embora qualquer desconforto. E foi a partir daí que comprovamos que essa turnê atual é realmente uma grande homenagem aos Fab Four, desde a maioria das músicas presentes no setlist ( das 39 músicas, mais de 20 foram da era Beatles) até homenagens explícitas a George e John. A celebração era clara: em cada música, Paul reverenciava um instrumento ( violão, baixo, guitarra), levantando-o acima da cabeça no final e louvando-o. Outra constatação no decorrer da apresentação foi o foco total no “rock”, sem nem cheiro da fase mais pop de meados dos anos 80. O roteiro estava ali no script, mas o compositor deixou tudo muito leve e  natural, desde as expressões e gírias engraçadas em português ( “ô meu”, Sampa, “bombando”, molecada, “é nóis”) até as simpáticas saudações ao público. O setlist também não trouxe surpresas em comparação com outros shows da turnê, mas as músicas foram tocadas com tamanha intensidade e vigor – lembrando que é um dos últimos shows de uma turnê de um ano e o homem tem 72 anos ( 55 de rock) – que surpreenderam a todos da mesma forma. E é incrível pensar que ele é um dos poucos com tanto tempo de estrada ainda com músicas novas pra mostrar – no show foram quatro canções, do ótimo último trabalho, “New”, do ano passado – e que mantém a temperatura do show com qualidade. Paul e banda não tem integrantes exclusivos para backing vocals e nem precisa: o chefe não sofre de falta de fôlego em nenhum momento; muito pelo contrário, estraçalha em músicas altas como “Maybe I’m Amazed” ( do primeiro álbum solo de 1970, uma das mais emocionantes do show), e rocks pesados dos primórdios, do Wings  e do álbum branco ( como “Helter Skelter” e “Let Me Roll It”). E a banda, atinada, afiada, tocando a um bom tempo com Mccartney, dá conta do recado direitinho, numa sinergia fluente e aparente no palco. Em “Paperback Writer” ( single beatle de 1966), mostrou com orgulho a guitarra , avisando ser ela a mesma da época em que compôs o hit. 

Os clássicos foram se enfileirando, intercalando guitarra, violão e piano: “All My Loving” ( de 1963, a preferida do meu filho Gabriel), “The Long and Winding Road” ( do LP Let it Be, de 1970), “I’ve Just Seen a Face” (de Help, 1965), “We Can Work Out “(single de 1965), “And I Love Her” (de 1964), “Another Day” ( single de 1971, queridinha da minha filha Letícia), além da  inserção de um trecho de “Foxy Lady”, homenageando “the king” Jimi Hendrix. Um momento alto do show ( literalmente) é quando o artista é alçado para o alto na parte elevadiça do palco para tocar a mágica “BlackBird” (álbum branco – 1968), aqui com um approach político vindo das cenas de direitos civis no vídeo exibido logo abaixo de seus pés. Em seguida, mais uma dose cavalar injetada no coração: a homenagem à John Lennon na emotiva “Here Today” ( do solo “Tug of War” de 1982). E dá-lhe mais estupefação e êxtase na sequência clássica: “ Lady Madonna” ( de Let it Be, 1970 – número que fez a banda Cachorro Grande estrebuchar na pista), a divertida “All Together Now” ( de Yellow Submarine, 1969), “Lovely Rita”, “Being for the Benefit of Mr.Kite!” ( essas duas últimas do álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, de 1967, pelo menos pra mim, as maiores surpresas do show ao lado das homenagens. A última é cantada por John no original) , e “Eleanor Rigby” ( essa, do álbum Revolver, de 1966, é uma das ‘preferred’ da Cris). Outra homenagem arrebatadora veio na sequência: a singela versão de “Something”, de George Harrison, com direito à ukelelê na introdução ( mais uma prova que o instrumentista Paul é craque nas cordas). A plateia veio abaixo. E foi nesse clima que a banda engatou uma trinca de trincar o chão: “Ob-La-Di,Ob-La-Da” (do branco, 1968 – confesso que sempre achei ela boba, mas ao vivo cresceu muito no meu conceito), “Band on the Run” ( classicaço do Wings, a banda setentista de Paul) e “Back in the U.S.S.R” ( com uma hiperativa seleção de imagens no vídeo simultâneo). O show já se encaminhava para a última parte, quando se aquietou para a essencial “Let it Be”, uma das músicas mais conhecidas do mundo, subiu a adrenalina again com a explosiva “Live and Let Die” ( com as manjadas explosões e fogos de artifício – que mesmo óbvias, foram de arrepiar) e fechou com outra arrebenta peito, “Hey Jude”, com seu coro de encerramento característico e providencial. A chuva nesse momento apertou e quem estava na pista sentiu mais uma vez o baque. Mas o jovem Paul McCartney logo voltou para o primeiro bis, com o mesmo pique, pra puxar com o baixo “Day Tripper” ( essa, de 1965, era preferida do Hendrix), “Hi Hi Hi” (rock and roll do Wings de 1972) e “I Saw Her Standing There” (ieié dos melhores, circa 1963). O segundo bis, mais chuvoso ainda e mais arrasador, chegou com “Yesterday” (de 1965 – Help!- a música mais tocada no mundo), a cataclísmica “Helter Skelter” ( do álbum branco too – Paul fez questão de executá-la com o baixo, tal qual na original), e fechou a noite com a bela e proposital sequência “Golden Slumbers” (uma das melhores composições de Paul na minha humilde opinião), “Carry  that Weight” e “The End” , todas do excelente Abbey Road, de 1969.  Era  “the end” pra nós, depois de quase três horas de transe puro. Mas ao invés de adeus, Sir McCartney manda um “até a próxima”, e esse não foi um aceno de script apenas, mas a sua real empatia com o Brasil e a convicção pessoal de que vai mesmo voltar em breve. Energia ele tem de sobra. Eficiência também. E como trabalha para isso esse genial inglês!
Só não digo que o mundo pode acabar depois dessa, porque quero estar na próxima turnê dele no Brasil. Estamos te esperando, Paul.  Valew, meu!

  
Day After

O dia seguinte, como mágica ( Magic Mistery Tour?), manteve a aura beatle pairando sobre nossas cabeças. A Letícia, na correria da saída, deixou sua bolsinha, com celular dentro, pendurada nas costas da cadeira em que estava, dentro do estádio. Lá fomos nós atrás dos Achados e Perdidos do Alianz Parque, até descobrirmos com o segurança, que ainda não tinham montado esse setor. Aí eu cismei de ligar no celular dela, mesmo sem muitas esperanças, e um alô do outro lado me confirmou a sorte danada que essa menina tem –  Renato, o cara que estava do nosso lado no show, viu o celular, guardou-o, carregou-o a noite toda, levou-o para o trabalho e só estava esperando alguém ligar. Existe uma pessoa assim nesses dias? a humanidade não está inteiramente perdida. Combinamos de se encontrar no shopping Bourbon e foi durante essa espera que os astros do rock mais uma vez mexeram os pauzinhos lá em cima. Primeiro, vejo passar o Oswaldo Vecchione com sua esposa, indo para o show. Pra quem não sabe, Oswaldo é um dos maiores roqueiros do Brasil, fundador da banda de rock mais longeva dessas plagas, o Made in Brazil. Claro que fui lá cumprimentá-lo e apresentá-lo ao meu filho Gabriel, que tá tocando uma guitarra de responsa. Depois desse simpático encontro, quando me preparava para ir embora, eis que surge direto do Rio de Janeiro, o grande Marcelo Fróes, com um amigo, também dirigindo-se para o show, logicamente. Fróes, produtor e pesquisador, um dos maiores especialistas em Beatles do país e dono do selo Discobertas ( pura arqueologia em disco – basta olhar as últimas caixas que estão saindo com artistas brasileiros. Ouro puro!), é amigo de George Martin e já se encontrou com Paul McCartney em Abbey Road. Eu o conheci há uns 15 anos atrás, em uma de suas pesquisas dentro da Editora Abril e desde então temos mantido contato. A conversa foi rápida, mas fechou com chave de diamante esses loucos e incríveis dois dias em que Paul McCartney esteve em Sampa.

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