14 de abril de 2016

Rogério Duarte (1939-2016)

Rogério Duarte, o artista gráfico do Tropicalismo ( muito mais até que Helio Oiticica, uma inspiração dentro do movimento), partiu da Terra ontem. Ele andava recluso e doente, mas ainda se mantinha perspicaz, lúcido e crítico como sempre. Duarte foi o homem que arregaçou as mangas e criou todo o projeto gráfico da Tropicália, das capas dos discos aos encartes, dos cartazes aos cenários. Antes já tinha criado um dos maiores ícones gráficos dos anos 60 no Brasil, o cartaz de Deus e o Diabo na Terra do Sol ( Glauber Rocha - 1967. Fez quase todos os cartazes do amigo e até trilha - para "Idade da Terra").


Até que covardemente foi preso pela ditadura (abril de 1968), ele e o irmão, e por 10 dias sofreu as piores barbáries e torturas que um ser humano pode aguentar. Ele sobreviveu, mas ficaram sequelas; ficou um bom tempo em hospitais psiquiátricos e a reclusão se tornou parte de sua persona. O trauma foi tamanho que ele nunca mais morou no Rio de Janeiro ( de onde tinha vindo em 1960 de Salvador, direto para o Solar da Fossa). Ainda bem que nos últimos anos Rogério foi reverenciado como merece: um documentário do conterrâneo e contemporâneo diretor baiano José Walter Lima saiu no início de 2016 ( "Rogério Duarte, o Tropicaoslista") e na primeira década do século foi editado plea Azougue em coletâneas de 2003 e 2009. Sim, isso mesmo... Rogério não é só designer gráfico, mas também escritor, poeta, tradutor, professor, letrista e compositor ( com inúmeras composições, incluindo co-parceria com Caetano e Gil).


Antes de ser torturado, foi ativo durante toda a década de 60, como membro da UNE ( onde bolou toda a identidade visual), chegou a ser diretor de arte da Editora Vozes e frequentava todas as rodas artísticas e anárquicas que aquela geração dispunha ( Rogério Caos virou seu apelido). Tudo desmoronou na prisão e o artista teve que colar seus cacos internos da década de 70 em diante, entre internações ( incluindo aí o assustador Pinel) e um mergulho completo no misticismo que já se evidenciava em seu caráter na juventude. Em meados dos 70, virou Hare Krishna com o batismo de Raghunata das. Escreveu livro sobre o tropicalismo e a tortura (Tropicaos), estudou a fundo o sânscrito e iniciou a tradução do Bhagavad Gita, lançado anos mais tarde como "Canção do Divino Mestre", acompanhado de CD e a participação de vários artistas. Continuou fazendo capas de discos - para João Gilberto, Gal Costa, Jorge Ben, Jorge Mautner, João Donato, Titãs.


Recentemente foi homenageado com mostras em Melbourne, em Frankfurt e no MAM, filiais da Bahia e Rio. Também teve sua canção "Gayana" na trilha da novela Joia Rara, no ar entre 2013 e 2014, graças à inclusão dela no disco do amigo Caetano "Abraçaço". Duarte, mais recluso do que nunca - e mais pelas dores que por outra coisa - acompanhou esse reconhecimento tardio de longe. Agora está livre das dores, mestre! Siga na luz que sua arte perdurará cá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário